Welles em Bazin

Ha no mercado editorial brasileiro, editado por Jorge Zahar Editor, um ensaio de Andre Bazin versando sobre os filmes de Orson Welles

17/10/2019 14:59 Da Redação
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Para muitos, o norte-americano Orson Welles é o maior dos cineastas e seu Cidadão Kane (1941) o número um dos filmes. Para boa parte dos pensadores cinematográficos, o francês André Bazin é o mais arguto crítico cinematográfico do mundo. Há no mercado editorial brasileiro, editado por Jorge Zahar Editor, um ensaio de Bazin versando sobre os filmes de Orson Welles (claro; os rodados até 1958, ano em que Bazin faleceu, aos quarenta anos de idade, pouco antes de atualizar este escrito cuja primeira edição datava de 1950). O encontro de dois cérebros míticos e primorosos do cinema, o realizador Welles e o analista Bazin, é soberbo e espera-se que o leitor-espectador esteja à altura. O título do ensaio: Orson Welles.

Como apêndices ao estudo de Bazin, duas pérolas: François Truffaut exibe sua perícia crítica tratando de Welles e a ironia e a irreverência corrosiva de Welles transbordam em duas entrevistas concedidas a Bazin e a outros primeiramente num longínquo Festival de Cannes e depois num intervalo de filmagem. Pode-se afiançar que o feixe do volume é luminoso; um autêntico vaga-lume crítico na escuridão do pensamento habitual.

Convém estabelecer certos confrontos entre gigantes da crítica cinematográfica que se chegaram ao universo de Welles com acuidade. Bazin foi o primeiro. Depois dele, no princípio da década de 70, a norte-americana Pauline Kael redigiu um polêmico  ensaio centrando-se exclusivamente em Kane. Inevitavelmente, as civilizações que geraram estes dois gigantes do saber cinematográfico (Bazin e Kael) influenciam a maneira de atuarem ao debruçarem-se sobre os filmes. Francês, Bazin abunda em preciosas anotações técnicas e intelectuais olhando-se no espelho da grande descoberta que é a profundidade de campo; a invasão na metafísica é imperiosa. Kael, muito americana, despreza aquilo que seu cérebro direto considera como mistificações críticas (lembremos sua ácida perversidade ao falar dos planos iniciais de Hiroshima, meu amor, 1959, do francês Alain Resnais); Kael vai ao ponto em linha reta: o roteiro é o autor de Cidadão Kane; sua base formal é a estrutura em esquetes rápidos, e isto já está no roteiro. Bazin afina-se com Welles, detendo-se na questão da montagem e da angulação; Truffaut, coadjuvando, descobre um sentido suavemente alucinado de representação, um dialogar com as nuvens do olhar de Welles, o que é bem Truffaut, um poeta –no texto e nos filmes que realizou.

O que sobressai daquilo que Bazin narra (sim: a crítica de Welles em Bazin é narrativa, misturando vida e cinema) é a itinerância perplexa e maldita do cineasta a partir da maldição comercial lançada por seu primeiro filme, um dos raros que lhe permitiram concluir com inteira liberdade; um experimentador nato, um crente na montagem como a alma do autor cinematográfico, Welles renegou quase todos os seus trabalhos depois de Kane, inclusive a obra-prima Grilhões do passado (1955; também conhecida como Mr. Arkadin), pelo fato de a montagem final lhe ter sido roubada; mas Grilhões é mais belo e contundente que Kane e o vigor emocional dos planos nunca deixa de hipnotizar o observador mais distanciado; Kane não chega a tanto, embora nos deslumbremos com seu aparato estético.

O que caracteriza a personagem do artista em Welles é aquilo que Bazin chama de “mendicância dourada”: como os grandes criadores politécnicos do Quattrocento, Welles percorreu a Terra, de uma corte a outra, em busca do Graal do artista, tão-somente para poder criar. Não foi fácil: mas ele legou ao mundo (o mesmo mundo por onde vagou em busca de créditos e aplausos que tardaram em aparecer) uma filmografia a que não se assiste impunemente; se a perenidade é a alma do negócio da arte, Welles colocou o cinema neste panteão, certamente.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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