O Discurso de dio

O evento deu-se no Teatro Moacyr Scliar, no terceiro andar do prdio 2 da UFSCPA (Universidade Federal de Cincias da Sade), em Porto Alegre, em outubro de 2018

01/03/2019 15:44 Da Redação
O Discurso de Ódio

Alessandra Rech e o articulista num encontro na Feira do Livro de Caxias do Sul

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O evento deu-se no Teatro Moacyr Scliar, no terceiro andar do prédio 2 da UFSCPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde), em Porto Alegre, em outubro de 2018. Tratava-se da terceira edição dum conglomerado de debates chamado “Furando bolhas”, criado pela universidade. Esta edição chamou-se: “Discurso de ódio: limite à liberdade de expressão?” Foi coordenada pelo professor Paulo Leivas, da UFCSPA. Eram quatro mulheres que debatiam o tema, para tentar chegar próximo duma resposta: numa sociedade plural e democrática, deve haver limite à liberdade de expressão? Uma manifestação livre contrária à existência de alguém, minoria ou não, se encaixa no conceito de liberdade de expressão? que paradoxo é esse em que o mundo livre admite os defensores da opressão?

Que mulheres eram essas que debateram? A escritora caxiense Alessandra Rech, também jornalista e professora universitária. A escritora bento-gonçalvense Natalia Borges Polessa, também tradutora, com mestrados em Letras pela Universidade de Caxias do Sul, que chegou igualmente a escrever para jornal. Aline Vanin, professora da UFCSPA. A Juíza Federal Claudia Maria Dadico, diretora do Foro da Justiça Federal de Santa Catarina.

No segundo parágrafo de Memórias do cárcere (1953), do romancista alagoano Graciliano Ramos, lemos: “Liberdade completa ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer.” Graciliano, onde a língua portuguesa soube mexer-se como poucas vezes no século XX (talvez somente em José Geraldo Vieira ela tenha chegado neste patamar ao longo destes cem anos), tinha seus preconceitos: morais e linguísticos. Outros escritores e outras gentes provaram que era possível —nos costumes, na língua— uma liberdade mais ampla que aquela imaginada pelo mestre de São Bernardo (1934). Seria possível uma liberdade irrestrita que não ferisse o próprio conceito de liberdade? Dentro daquilo em que muitas vezes parece haver liberdade haverá mesmo liberdade? Vamos ouvir das debatedoras.

Alessandra abriu as considerações da tarde daquela sexta-feira de outubro de 2018 no teatro da universidade. Fez o relato de suas experiências passadas em redações de jornais. Com argúcia, a autora caxiense tramou situações raciocinadas em que se descortinava uma evidência: ainda o jornalista aparentemente mais livre, acaba submetendo-se a uma ideologia de classe que vige nas redações e determina à (ou codifica para a) sociedade as notícias e os pensamentos que interessam fazer vir à luz. A realidade é, assim, engenhosamente construída pelo sistema jornalístico.

Natalia Borges Polesso começou sua fala lendo os comentários de “facebook” apostos à sua crônica #Elenão, publicada no jornal “Pioneiro” e levada à internet. Estes comentários de internautas/leitores/autores são um rol interminável (quando Natalia anunciou que estava quase no fim, ainda ouvimos muito) de manifestações da ignorância para aviltar uma inteligência, e este caso não é isolado, sabemos todos que os habituais idiotas da internet o fazem como um martelo que quer pregar a estampa desta ignorância. Natalia contou-nos o resultado de tudo isto. Espírito sensível, deixou de escrever para o jornal, abandonou as redes sociais e foi ter a um consultório de terapeuta. Significa que a liberdade de expressão ilimitada de alguns levou ao rompimento da liberdade de expressão de Natalia. Quem paga esta conta de Natalia em que, no fundo, todos somos culpados?

Aline Vanin, partindo do estres determinado pela leitura didática dos comentários apostos a uma crônica/postagem de Natalia, teorizou sobre as dificuldades e as necessidades dum acordo social na situação a que chegamos. A leitura formalmente desdramática de Natalia saiu do distanciamento brechtiano-bressoniano (Bertold Brecht, dramaturgo alemão; Robert Bresson, diretor francês de cinema) para uma pulsão dramática inquietante.

Claudia Maria Dadico, depois de circular por vários pensamentos históricos em torno do tempo, argumentou que, para ela, o Direito Penal (o que quer dizer, a intervenção do Estado), só em último caso, antes se deve tentar uma forma em que a sociedade encontre meios de coibir os excessos da liberdade de expressão dentro de sua própria liberdade de expressão. Utopicamente, este comentarista se pergunta, em silêncio: num ordenamento jurídico que funcionasse (o caso brasileiro está muito longe disto), não estariam os limites à liberdade de expressão na aplicação do Direito? É uma questão final que se insinua como hipótese: liberdade irrestrita; cada indivíduo se responsabiliza pelo uso da liberdade e pode ser indiciado criminalmente. Sob o império da democracia e da lei. Resta saber, nas complexidades de hoje, se é isto possível, objetivamente.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a dcada de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicaes de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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