A Criatura Extrapola da Criadora
Frankenstein é um grande livro, criativo, engenhoso, cheio de atmosferas exemplarmente evocadas
Frankenstein, ou o Prometeu moderno (Frankenstein: or the modern Prometheus; 1818) é um mito das narrativas literárias de horror (aliás, um horror bem gótico, prévia do expressionismo do século XX). Na verdade, Frankenstein, o livro e a personagem, são bastante conhecidos e no século passado o cinema tratou de vulgarizá-los (no sentido da divulgação das massas e da transformação de seus achados em clichês); mas pouca gente sabe que a história original foi escrita pela inglesa Mary Shelley. Outra forma mítica é a maneira como o texto nasceu; reunidos num verão suíço de 1816 o poeta Lord Byron, o também poeta Percy Shelley e a esposa deste, a prosadora Mary Shelley, pensaram, sob a inspiração inicial proposta por Byron, em escrever, cada um, uma história de horror. Não sabemos hoje nada das outras histórias; sabemos do resultado duma única história, escrita pela mais obscura dos três escritores, Mary, esposa do poeta Shelley.
Frankenstein é um grande livro, criativo, engenhoso, cheio de atmosferas exemplarmente evocadas. É narrado por Victor Frankenstein, o criador do monstro, um monstro que extrapola de seu criador, saindo por aí a exterminar pessoas, a solidão malvada de Frankenstein é uma espécie de dado literário pré-cinematográfico; estamos diante de outro elemento das malversações históricas geradas por esta obra de Mary Shelley, o Frankenstein que surge para a posteridade é o monstro, a criatura —isto é, as criaturas, o livro e o demônio construído, são mais aclamados que os criadores, a romancista Mary e o inventor-cientista Victor. De uma certa maneira é um pouco algo como Dom Quixote ou Hamlet, personagens que sobrevivem à margem de seus criadores, Cervantes e Shakespeare, ainda que precisem das águas de seus bardos para bem nadarem; se Quixote e Hamlet não apagaram seus autores, Mary não conseguiu sobreviver tanto quanto sua invenção, o monstro Frankenstein, senão nas evocações de quem ainda se interessa pelo autor na arte nestes tempos de febre coletiva.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br