Aprendizado na Itália

La Sapienza (2014), produção franco-italiana que se vale do melhor da literatura, da escultura e do próprio rigor cinematográfico para produzir sua própria entonação narrativa

30/03/2017 23:19 Por Eron Duarte Fagundes
Aprendizado na Itália

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O realizador Eugène Green utiliza a fala desdramatizada como a forma de narrar central de La Sapienza (2014), produção franco-italiana que se vale do melhor da literatura, da escultura e do próprio rigor cinematográfico para produzir sua própria entonação narrativa. Os atores recitam para a câmara, o que significa diretamente para o espectador; o diretor despoja as palavras de sua própria construção dramática, fazendo com que as orações se transformem inicialmente em recitações à maneira de monólogos que num segundo momento se afiguram feixes de histórias e reflexões cujos liames dramáticos são finalmente compostos pelo exercício de montagem. Mais ou menos é o que ocorre, tentando dissecar aqui o complexo processo de construção cinematográfica do cineasta. O objeto de drama visual que propõe Green está próximo daquilo que fez no cinema o francês Robert Bresson: os atores interpretam como quem se despoja do drama encenado, uma simulação de leitura daquilo que está anotado no roteiro, um aparente teatro de singeleza e sofisticação em que rompantes literários propõem uma luz do cinema. Como em Viagem à Itália (1953), do italiano Roberto Rossellini, um casal estrangeiro na península vai deflagrar descobertas escavadas: uma arqueologia rosselliniana numa linguagem bressoniana.

Dialogado em francês e em italiano com invejável classe linguística, La Sapienza surpreende os franceses Alexandre e Aliénor numa Itália renascentista, onde as buscas pelas razões de ser são inevitáveis; Alexandre, arquiteto, topa o jovem estudante de arquitetura Goffredo; enquanto Alexandre, exercitando seu italiano, convive com o rapaz, a mulher de Alexandre, Aliénor, permite à adoentada irmã de Goffredo, Lavínia, experimentar seu francês.

As coisas se passam com extrema lentidão, em imagens e episódios, ao longo do filme. A intensidade plástica de Green é outro dado bem bressoniano. A sabedoria a que alude o título em italiano é sempre perseguida mas problemática: o protagonista a deseja, mas parece estar aqui e ali a uma certa distância dela, pois palavras, imagens e silêncios se afiguram criar uma espécie de muro entre os gestos humanos e este saber final, que, todavia, como assevera um dos dizeres da narrativa, talvez estejam por toda a parte —estas mensagens estão em todo o lugar, naquilo que as pessoas fazem, numa escultura, numa peça arquitetônica, sabe-se lá.

Se Rossellini foi às escavações de Pompeia para iluminar seu casal central, o francês Green situa seus símbolos em gente mais próxima, embora ainda longínqua neste mundo veloz, os barrocos Barromini e Bernini; para dar um pouco de satisfação às inquietações de seu protagonista.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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