Máfia na Maçã

Caminhos Perigosos mostra um Martin Scorsese completo, numa Nova York muito cinematográfica

15/12/2016 13:02 Por Bianca Zasso
Máfia na Maçã

Martin Scorsese em NY em 1973

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Nova York é o grande amor do diretor Woody Allen e é quase imediato associar a Big Apple com algum plano criado pelo senhor baixinho, que usa óculos e tem um humor único. No entanto, há uma Nova York tão cinematográfica quanto a de Allen, mostrada com poesia e um toque de deslumbre nos primeiros filmes de um rapaz ítalo-americano apaixonado por cinema, espaguete e gângsteres. Martin Scorsese, hoje um cineasta respeitado e “oscarizado”, que já se aventurou nos mais diversos gêneros e não para de pesquisar coisas novas sem esquecer de reavaliar os clássicos, já foi um jovem estudante de cinema, cheio de hormônios e ideias. Algumas delas podem ser admiradas em Caminhos perigosos.

Lançado em 1973, o filme acompanha o protagonista Charlie e seu amigo Johnny Boy pelo bairro de Little Italy. Harvey Keitel e Robert De Niro, em atuações impecáveis, perambulam pelos cinemas, os bares e as casas de aposta com toda a pompa que a máfia permite, já que o tio de Charlie é o “dono” do pedaço e seu sobrinho acredita que, em breve, vai parar de cobrar os vizinhos e comandar seu próprio negócio. Seria um O poderoso chefão menos charmoso, mas estamos diante de um exemplar de um diretor que fez parte da geração da Nova Hollywood e queria mais que apenas um filme de máfia. Caminhos Perigosos é sobre um aspirante a mafioso cheio de fé e dúvidas. Não há nenhum diálogo sobre isso no longa, mas descobrimos logo nos primeiros minutos. Scorsese levou para as telas um alter-ego, já que sua infância e adolescência foi vivida em Little Italy e seus becos suspeitos. Charlie admira São Francisco de Assis ao mesmo tempo em que precisa dar um jeito de ajudar Johnny Boy com suas dívidas. Brinca com fogo, literalmente, e questiona se quer mesmo correr o risco de decepcionar seu tio fugindo do compromisso de dar continuidade ao poder da família. As cenas dentro do bar de Tony, amigo de Charlie, com sua iluminação vermelha e música alta, dão o tom da vida sem rumo. Mulheres, ternos bem cortados, carrões. Mas Charlie nasceu em Nova York e sabe que pulsa algo bem longe da Itália dentro de si. A trilha sonora, que vai de Rolling Stones, passa por The Ronettes e atinge o ápice com a ópera interpretada por Giuseppe di Stefano, é mais um sinal. Os sapatos impecáveis de Charlie passeiam aos tropeços pelo rock’n’roll e as lembranças da Sicília. Os conselhos de John Cassavetes e John Millius, dois amigos que fizeram a cabeça para que Scorsese terminasse o roteiro de Caminhos Perigosos seguindo sua intuição, deram certo.

Ter no currículo obras-primas como Touro Indomável e Taxi Driver pode não ser tarefa das mais fáceis, já que a cobrança sempre será grande. Mas Scorsese, mesmo em trabalhos por encomenda ou em sua fase mais complicada, quando teve problemas com drogas, conseguia deixar sua marca, o diferencial que o tornou um dos grandes do cinema americano. Caminhos Perigosos, assim como Quem bate à minha porta?, mostram o Scorsese completo, envolvido com todo o processo de criação, com a cinefilia aflorada e descobrindo planos, parceiros e motivações. Para quem acha que Os infiltrados é o grande trabalho do diretor, fica o convite para passear no bairro italiano de Nova York tendo o jovem Martin como guia. Só cuidado com os tiros e os socos.

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Sobre o Colunista:

Bianca Zasso

Bianca Zasso

Bianca Zasso é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixão em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crítica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Sétima Arte.

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