David Coimbra pertence ao jornalismo cultural. Sua visada é a literatura. Ele tem a elegância de escrever e uma certa sensibilidade para contar suas histórias, algumas inventadas, outras extraídas de suas próprias vivências, mas todas inseridas em seu jeito mais ou menos clássico (porém atualizado de acordo com as perspectivas da segunda década do século XXI) de narrar e arrumar as frases. Então, sempre me intrigou, por que ele nunca saiu do gueto futebolístico: poderia escrever sobre livros, entrevistar escritores, fazer crônicas de generalidades? Ficou no esporte. Penso que porque o esporte dá audiência. Coimbra poderia ter trilhado um pouco o caminho de outro jornalista e escritor com quem se assemelha: Juremir Machado da Silva. Em termos, Juremir ainda é um jornalista esportivo: participa de debates esportivos e escreve aqui e ali de futebol. Mas o universo de ação jornalística de Juremir é muitas vezes maior que o de David. No entanto, tanto David quanto Juremir vão ao futebol (no sentido da escritura) porque lhes dá a visibilidade que tratar de Tolstoi ou Jacques Derrida não oferece.

David não deixa de ser um bom escritor mas tem os limites que não estorvam a Juremir. Isto pode ser sentido em sua coletânea de crônicas A graça de falar do PT e outras histórias (2015). Já não é futebol o centro, é verdade, mas um partido político, se é que existe esta entidade na confusão brasileira. Mas o PT aí funciona um pouco como o futebol: atrai a curiosidade das pessoas, é comercial. No entanto, o melhor da reunião de textos deste novo livro de David é um fato: doente, o escritor contrabandeou-se para os Estados Unidos, de onde, sem a verve impositiva dum Paulo Francis, ele dá sua contribuição sobre a visão brasileira para a Grande América; é claro que, exilado e aproveitando-se da globalização instantânea de informações na era da internet, David não deixa de falar pelos cotovelos da realidade brasileira atual, como se estivesse entre nós, escrevendo da sede de seu jornal. A Copa do Mundo, o Grenal dos 5 a 0 e a queda de Dilma e do PT aparecem em primeiro plano. É bem possível: mas não me escapa uma certa impressão de inata superficialidade em seus achados, um pouco como se o autor estivesse falando de um país estrangeiro. Tudo isto é salvo, claro, por um certo engenho de estilo, do qual David está em pleno domínio maduro. Não por acaso um dos melhores textos desta “antologia” que se propõe como narrativa é a crônica “Eu amo meus clientes”, onde o narrador faz levantar voo até nós uma tabacaria americana que parece ser nossa vizinha. Ler lado a lado as crônicas que se leram dia a dia no jornal tem um aspecto diferenciado, é uma outra proposta de ler. “Falando nisso, me diga: ainda existem tabacarias como as d’antanho, quando fumar e escrever com  apóstrofo era elegante?”

David é um artista venal? Todo artista o é? E Juremir, seus altos feitos o livram disto? Lembro-me de Pierre Bourdieu, que escreveu em certa parte que a cultura está em perigo  e que este perigo é o dinheiro. Se David abandonasse o futebol e pendurasse as chuteiras, experimentaria uma transformação criativa? A história, por exemplo. Seu mais belo livro é Uma história do mundo, cuja segunda parte está prometida numa das crônicas de A graça de falar do PT e outras histórias.

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)