O Realismo Encoberto ao Modo Germânico
Effi Briest (1895), romance composto pelo alemão Theodor Fontane, tem características próprias
Embora ligado historicamente ao movimento realista que historiou no século XIX o adultério feminino como caso que pretende desestruturar as contrafações das sociedades da época (como em Madame Bovary, 1856, do francês Gustave Flaubert, Anna Karenina, 1877, do russo Leon Tolstoi, ou mesmo O primo Basílio, 1878, do português Eça de Queirós), Effi Briest (1895), romance composto pelo alemão Theodor Fontane, tem características próprias. Traz algumas reverberações românticas na forma essencialmente pudica com que relata um caso de adultério mais simulado do que orgânico: o leitor do século XXI terá de fazer um grande esforço para considerar que houve de fato o ato adúltero, senão ficará pensando que o que se deu foram somente algumas cartas insinuativas ou pequenas cenas-primícias em que o tédio da jovem burguesa desleixada pelo marido estimulava encontros que nunca se sabe se chegaram a vias de fato mesmo. Não se trata aqui daquela sutileza do brasileiro Machado de Assis em que se ocultam os episódios de alcova; o que há mesmo em Fontane é o pudor de dizer, o romantismo meio metafísico alemão incrustado na ascensão literária ao realismo levemente cronístico, levemente bem-humorado do narrador.
O ensaísta brasileiro-austríaco Otto Maria Carpeaux chega a definir Effi Briest como uma Madame Bovary prussiana. Penso que se equivoca neste conceito geral. É bem verdade que o modelo pode ser flaubertiano: mas abre asas para certas características mais pesadamente germânicas em suas emoções. A sequência do duelo entre o marido e o amante e as evocações que em páginas e anos seguintes desta cena se fazem na cabeça da protagonista têm seu próprio teor germânico. Mas se Carpeaux é apressado em sua concepção global do romance, acerta em diversos detalhes. Define o autor como “mestre do colorido regional” e vê que em seus romances vemos “uma época da vida berlinense e brandenburguense”. Diz mais Carpeaux: “Ele mesmo era o observador silencioso dos seus personagens, aos quais comunicava o seu próprio talento extraordinário de causeur espirituoso.”
Um caso de amor do século XIX com transcendência social e antropológica. Passados em tempos e terras longínquos. Tem seu garboso fora de moda e ao mesmo tempo uma espiritualização perene. Outro alemão extraordinário, o cineasta Rainer Werner Fassbinder, ressuscitou o universo de Fontane ao filmar o romance em 1974. As vestes de época, os gestos bem marcados e os profusos espelhos marcaram o filme de Fassbinder. Agora, a leitura de Fontane complementa todas as agudezas arcaicas que, no coração dos anos 70, o cinema nos fazia suspeitar desta literatura desconhecida.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br