Um Filme Ainda Provocativo

Domingo Maldito é um exemplar tardio do cinema intelectual europeu urbano cujo ápice parece ter sido nos anos 60

06/02/2015 13:12 Por Eron Duarte Fagundes
Um Filme Ainda Provocativo

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Há quem ache que, em face de seus meios tons, o filme Domingo maldito (Sunday bloody Sunday; 1971), dirigido na Inglaterra pelo britânico John Schlesinger (Schlesinger fez também carreira no cinema americano), perdeu seu poder de fogo diante do espectador do século XXI bombardeado por imagens mais carnais. Há também quem pense que o homossexualismo hoje deixou de mexer com os pruridos preconceituosos das pessoas e que as situações descritas sutilmente no filme de Schlesinger estariam incrustadas facilmente em nosso dia-a-dia sem nenhum problema, que transitaríamos entre abraços e beijos homoeróticos nos shoppings centers sem nenhum espanto. Hoje há quem reclame do escasso aprofundamento físico das relações vistas em Domingo maldito: querem uma ousadia sexual e uma forma mais direta de abordagem que aclare às claras o tema. Todos estes pensadores cinematográficos fáceis se dirigem a uma vulgaridade (muito atual, muito modelo século XXI) de que esta obra de Schlesinger procura afastar-se pela minúcia e a perplexidade de um estilo de filmar, um jogo de câmara provocativamente lento e agudo como poucas vezes Schlesinger talvez tenha alcançado com seu cinema que muitas vezes  chegou a incorporar certas espúrias afeições comerciais.

Domingo maldito é um exemplar tardio do cinema intelectual europeu urbano cujo ápice parece ter sido nos anos 60, com o italiano Michelangelo Antonioni e sua trilogia da incomunicabilidade. Schlesinger é menos áspero formalmente que Antonioni, mas sua melancolia urbana vizinha com aqueles seres vagantes de Antonioni. O bissexualismo é tratado com profundidade e dignidade em Domingo maldito; utilizando uma montagem dissociada, que não prende os planos numa lógica de ação óbvia, Schlesinger analisa os condicionamentos morais dum inusitado triângulo amoroso, um jovem atraente tem seu corpo amado tanto por uma mulher quanto por um médico homossexual e tanto a mulher quanto o médico sabem desta duplicidade sexual do garoto. Ao que se diz, Schlesinger se teria retratado nos homossexuais em cena; mas com o faz com uma grandeza artística impressionante, acentuando um certo distanciamento narrativo que impede as facilidades autobiográficas. As cenas físicas são de fato leves para os dias atuais: uma ou outra carícia, sexo entre sombras e o famigerado beijo na boca entre Peter Finch e Murray Head; mas são o suficiente para conferir densidade dramática e curiosidade erótica ao drama  encenado por Schlesinger.

Glenda Jackson como a mulher entre os homens que se entregam ao homossexualismo e Finch como o doutor homossexual exuberam; e acresce a curiosa aparição da então já veterana Peggy Aschcroft (atriz dos palcos ingleses da época) como a mãe da mulher que namora o rapaz bissexual.

Pode-se dizer, enfim, que Domingo maldito recria para os olhos ávidos da posteridade um universo moral e estético que fez furor em seu tempo e ainda é capaz de apaixonar o cinemaníaco pela lucidez e pelas pequenas revoluções cinematográficas com que foi concebido e realizado.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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