As Trapaceiras

Inteligentes, ardilosas, espertas, impostoras, sedutoras, deliciosamente burladoras e desonestas, em resumo, maravilhosas

23/07/2019 13:36 Por Adilson de Carvalho Santos
As Trapaceiras

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Para o escritor Machado de Assis, o conto do Vigário, aquela expressão que aponta um golpe de esperteza, é o mais antigo gênero de ficção. No cinema é um dos mais divertidos, já tendo rendido diversas pérolas explorando a arte de passar a perna em alguém, mas estabelecendo uma empatia instantânea com o público. Ano passado tivemos Sandra Bullock à frente de um superelenco de belas golpistas em “Oito Mulheres & Um Segredo” (2018), um sucesso mostrando a força feminina nas bilheterias, e que também trazia Anne Hathaway no time de beldades.

Juntar duas golpistas de estilos antagônicos em plena Riviera Francesa é na verdade a terceira filmagem da mesma história, criada por Paul Henning e Stanley Shapiro e filmada pela primeira vez em 1964; vinte e cinco anos depois sendo adaptada por Dale Launer, que comprara os direitos da história. A troca de gênero, mais conveniente ao posicionamento da mulher na sociedade de hoje, foi resultado da adaptação da escritora Jac Schaeffer, que é a responsável pelo argumento do vindouro filme da “Viúva Negra” (2020) e da série “WandaVision” anunciada também para 2020. Schaeffer trabalha o protagonismo feminino com um tom de revanchismo como forma de legitimar os trambiques praticados pela sedutora Josephine Chesterfield, papel de Hathaway. O mesmo pode ser dito da grosseira Penny, interpretada por Rebel Wilson, também produtora dessa comédia. Em dado momento a personagem de Anne Hathaway diz os homens nunca acreditam que uma mulher possa ser mais inteligente que eles, e por isso ela consegue ser bem-sucedida. A narrativa segue a estrutura de rivais que se tornam aliadas, mestre e pupilo, para depois retomarem à rivalidade novamente. Análogas das figuras carismáticas de Michael Caine e Steve Martin em “Os Safados” (Dirty, rotten, scoundrels) de 1989, a história explora os clichês do gênero com direito a um sucessivo jogo de identidades falsas. Penny se faz passar por uma irmã louca, tal qual Steve Martin arrancou gargalhadas como o impagável Ruprecht no filme de 1989. Diferente da fleuma britânica de Lawrence Jamieson, interpretado por Sir Michael Caine, o sotaque britânico de Josephine é mais um engodo, incorporado a suas artimanhas por sugestão da própria atriz, que achou difícil ser convincente fazendo o sotaque. A direção dessa nova versão ficou com o estreante Chris Addison, vindo da TV onde trabalhou em “Vice” (2013-2016). O elemento que falta é a vítima ingênua, e assim como Caine e Martin disputando a atenção e o dinheiro de Janet Colgate (Glenne Headly), Hathaway e Wilson tentam levar a melhor com o bilionário Thomas Westerburg (Alex Sharp), que trabalha no lançamento de um novo aplicativo, na fictícia Beumont-sur-mer, na verdade filmada em Mallorca na Espanha e nos Estúdios Pinewood em Londres.

As comparações são inevitáveis quando se trata de refilmagens, mas mesmo “Os Safados” já era remake de “Dois Farristas Irresistíveis” (Bedtime Story), de 1964, com David Niven e Marlon Brando nos papeis centrais, respectivamente o escroque galante e o escroque malandro, com a vítima ficando com a talentosa Shirley Jones. A fórmula de sucesso desses filmes é a ideia de um engenhoso golpe idealizado e praticado por charmosos trambiqueiros que ignoram as leis, subvertem as convenções de certo e errado. Como não lembrar de Aldo Vanucci (Peter Sellers), outra notória raposa de “O Fino da Vigarice” (After The Fox), de Vittorio De Sica que dizia “Se ao menos eu pudesse roubar o suficiente para me tornar um homem honesto!”. Essa refinada ironia é o tom recorrente em filmes como “Os Sete Homens de Ouro” (Il Grande Golpo dei 7 Uomini D’Oro) de 1965, “Um Golpe à Italiana” (The Italian Job) de 1969, ou o excelente “Golpe de Mestre” (The Sting) de 1973 que reuniu Paul Newman & Robert Redford, depois do sucesso destes no igualmente clássico “Butch Cassidy” (1968). Tivemos ainda o brasileiro “Assalto ao Trem Pagador” de 1962, baseado em um fato real: O roubo do pagamento da Estrada de Ferro Central do Brasil ocorrido em 1960, pela gang liderada pelo temido Tião Medonho (Eliezer Gomes). Três anos depois a vida imitou a arte na Inglaterra onde um trem com pagamentos foi roubado por 15 homens que levaram 2,6 milhões de libras esterlinas, tendo um deles, Ronald Biggs se refugiado no Brasil por mais de 30 anos.

Inteligentes, ardilosas, espertas, impostoras, sedutoras, deliciosamente burladoras e desonestas, em resumo, maravilhosas. As únicas regras são “roubar de quem merece”, “não ferir ninguém” e “divertir todos”. Nos filmes, tudo parece fácil, por isso mesmo divertido pois ali reside toda a catarse, de rir e tirar um belo sarro da vida com um bom e velho conto do vigário!

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Sobre o Colunista:

Adilson de Carvalho Santos

Adilson de Carvalho Santos

Adilson de Carvalho Santos e' professor de Portugues, Literatura e Ingles formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pela UNIGRANRIO. Foi assistente e colaborador do maravilhoso critico Rubens Ewald Filho durante 8 anos. Tambem foi um dos autores da revista "Conhecimento Pratico Literatura" da Editora Escala de 2013 a 2017 assinando materias sobre adaptacoes de livros para o cinema e biografias de autores. Colaborou com o jornal "A Tribuna ES". E mail de contato: adilsoncinema@hotmail.com

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