O Brasil na Corrida do Oscar

Rubens Ewald Filho acha um equívoco a indicação de Bingo

16/09/2017 23:46 Por Rubens Ewald Filho
O Brasil na Corrida do Oscar

tamanho da fonte | Diminuir Aumentar

Não há duvida que somos um país sui generis, diferente de qualquer outro. Essa conclusão é tão óbvia num suceder de coisas principalmente na política e nos detentores do poder, que não chega a surpreender que uma mal conhecida Academia de Cinema tenha escolhido como representante do país no corrida do Oscar de filme estrangeiro Bingo, que é basicamente uma pornô chanchada a tal ponto que o dito escolhido foi rejeitado pelo público mais sério e só tem tido uma bilheteria pequena mas consistente agora quando perceberam que é uma farra em cima dos artistas brasileiros do SBT, valorizada principalmente pela presença de um ator muito bom como protagonista (Vladimir Brichta) e um diretor de também inegável talento o montador Daniel Rezende (ele pertence ao pequeno grupo de brasileiros que foi convocado pelo Oscar para votar nos prêmios desde que fez parte daquele que concorreram ao prêmio por Cidade de Deus, 2002). Que teve que mexer em tudo, começando pelo próprio nome verdadeiro do personagem, que seria Bozo (mas que não podiam usar, já que esse nome tem dono no exterior). De qualquer forma, poucos sequer percebem que tem um subtítulo “O Rei das Manhãs” (referindo-se aos programas matinais do canal do Silvio Santos, ou seja, o SBT, e no filme há como o diretor do programa um americano que passa por idiota, coisa difícil de acreditar! Assim como dois outros palhaços semelhantes que mal são observados!). Aliás o filme foi produzido por uma notável empresa americana, a Warner, que não tenho ideia do que pensa do resultado.

Acho curioso que no mesmo momento em que foi indicado o filme Bingo ao Oscar tive acesso a um outro filme também indicado ao Oscar, mas neste caso pela Finlândia, num outro filme também autobiografia chamado “Tom of Finland”. Poucos sabem de quem se trata porque é uma história também real, também épica, mas que trata também de uma trama erótica. Acontece que naquele país o homossexualismo era muito controlado e proibido, e os que desejavam ter contatos sexuais em geral acabavam na cadeia. Um desses era Touko Laakesonen, um oficial condecorado que nas horas vazias criava desenhos de rapazes fortes e semi-despidos, altamente eróticos. Desenhos esses que foram exportados para o mundo inteiro, mas precisamente a Califórnia onde passaram a ser publicados em revistas gay usando o pseudônimo Tom of Finland (naturalmente Finlândia), o que tornou uma celebridade adorada pelos interessados. O filme foi feito por um diretor famoso por lá, Dome Karukowsi. Uma bela fotografia, direção artística, tudo respeitoso e sensível. Até porque escolheu terminar o filme já quando começa a epidemia da Aids, ou seja a tragédia já esta próxima. E inevitável. E triste. Parece provável que comova os votantes da Academia.

A história de Bingo me interessou mais de perto porque por aquelas reviravoltas do destino eu fui amigo do biografado, de que usam ao menos o nome artístico verdadeiro, Arlindo Barreto. Para se ter ideia da falta de respeito com essa pessoa, no IMDB esta escrito o nome do personagem como Augusto Mendes! Se bem que Arlindo tenha uma longa carreira no cinema brasileiro, na porno-chanchada com frequência com David Cardoso. Além disso, ele foi um dos galãs de um telenovela que eu escrevi para a Globo que foi “Gina”, sucesso de audiência também por ser baseada em livro de Dona, autora de Éramos Seis, Sra. Leandro Dupré!. O papel de Arlindo era importante e continuamos amigos, inclusive porque passei a conversar muito pelo telefone com a adorável mãe do ator, que era um ídolo nacional, famosa na TV pelas notas dez que dava para todos, estrela de teatro revista, a Márcia de Windsor (1933-82), que faleceu  no meio de uma telenovela (Ninho da Serpente). Cheguei mesmo a ir ao enterro.

Falo disso porque assim vocês verão mais claro que o filme é um grande delírio. Márcia vira Marta Mendes e passa a ser interpretada por Ana Lucia Torre, que é sem duvida ótima atriz, mas o personagem não morreu na infelicidade porque não a chamavam para fazer TV, além de Márcia ser mais jovem. Embora seja direito que cabe aos autores, o Bingo tem bem pouco a ver com o do filme e ao menos coloca algumas fotos de Arlindo e família ao final. Se fizessem isso com uma biografia de minha vida eu teria ficado muito irritado. O que eu pergunto é que este tipo de filme, entre melodrama e chanchada, é algo que possa repercutir num público de votantes tão acostumado com dramas trágicos, políticos, engajados de todas as formas, discutindo todos os problemas do mundo atual (que Deus sabe não são poucos!).

Eu particularmente preferia ver na listagem Como Nossos Pais (que por acaso tem roteiro do mesmo autor Luis Bolognesi, no caso ainda com a diretora Laís Bodansky). Mais humano, acessível, feminino, universal, sem pornô chanchada.

Linha
tamanho da fonte | Diminuir Aumentar
Linha

Sobre o Colunista:

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho

Rubens Ewald Filho é jornalista formado pela Universidade Católica de Santos (UniSantos), além de ser o mais conhecido e um dos mais respeitados críticos de cinema brasileiro. Trabalhou nos maiores veículos comunicação do país, entre eles Rede Globo, SBT, Rede Record, TV Cultura, revista Veja e Folha de São Paulo, além de HBO, Telecine e TNT, onde comenta as entregas do Oscar (que comenta desde a década de 1980). Seus guias impressos anuais são tidos como a melhor referência em língua portuguesa sobre a sétima arte. Rubens já assistiu a mais de 30 mil filmes entre longas e curta-metragens e é sempre requisitado para falar dos indicados na época da premiação do Oscar. Ele conta ser um dos maiores fãs da atriz Debbie Reynolds, tendo uma coleção particular dos filmes em que ela participou. Fez participações em filmes brasileiros como ator e escreveu diversos roteiros para minisséries, incluindo as duas adaptações de “Éramos Seis” de Maria José Dupré. Ainda criança, começou a escrever em um caderno os filmes que via. Ali, colocava, além do título, nomes dos atores, diretor, diretor de fotografia, roteirista e outras informações. Rubens considera seu trabalho mais importante o “Dicionário de Cineastas”, editado pela primeira vez em 1977 e agora revisado e atualizado, continuando a ser o único de seu gênero no Brasil.

Linha

relacionados

Todas as máterias

Efetue seu login

O DVDMagazine mantém você conectado aos seus amigos e atualizado sobre tudo o que acontece com eles. Compartilhe, comente e convide seus amigos!

E-mail
Senha
Esqueceu sua senha?

Não é cadastrado?

Bem vindo ao DVDMagazine. Ao se cadastrar você pode compartilhar suas preferências, comentar ou convidar seus amigos para te "assistir". Cadastre-se já!

Nome Completo
Sexo
Data de Nascimento
E-mail
Senha
Confirme sua Senha
Aceito os Termos de Cadastro