O Crime e o Filme

A 13a. Emenda, produzido pela plataforma Netflix e indicado ao Oscar de melhor documentário, é mais que uma compilação de dados e entrevistas

11/03/2017 22:21 Por Bianca Zasso
O Crime e o Filme

tamanho da fonte | Diminuir Aumentar

O que move um documentarista a colocar o dedo em uma ferida que também é sua? Acredito que a melhor resposta seja coragem e uma busca incansável por respostas para atitudes que, aos olhos de alguns, não possuem argumentos qualitativos. A cineasta Ava DuVernay viveu no seu quintal de infância situações presentes em seu mais recente trabalho. A 13ª Emenda, produzido pela plataforma Netflix e indicado ao Oscar de melhor documentário, é mais que uma compilação de dados e entrevistas com ativistas, políticos e estudiosos da questão carcerária americana. É uma aula de como provocar racistas com elegância e dignidade.

DuVernay já havia retratado a luta pelos direitos civis dos negros no ótimo longa Selma: Uma luta pela igualdade, de 2014, mas agora ela foi até a fonte de todos os males para mostrar que há muito mais que política por trás do boom da comunidade carcerária dos Estados Unidos, iniciado em meados da década de 80. Para dar início a sua jornada de informações, A 13ª Emenda parte de seu título, presente na constituição americana e que, devido a inserção de uma pequena frase, deixou de ser um marco de liberdade. Diz ela: “Não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito a sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado.”. O destaque é uma porta aberta para que a escravidão ganhe um outro nome. Uma breve passada pelos jornais basta para percebermos que, além de serem abordados em maior número que os brancos pela polícia, os negros são a maioria nas prisões. Algo ainda mais violento que os próprios anos escravistas, já que tudo veste a máscara do cumprimento das leis.

A diretora permeia suas entrevistas com canções do nosso tempo que exaltam punições e tratamentos do século XVIII. A palavra “criminoso” é dita dezenas de vezes e aparece na tela, com todas as letras. Se havia alguma dúvida que ela é, para muitos, um sinônimo de negro, DuVernay escreve uma cartilha que nem o mais dissimulado dos homens consegue contrariar. A 13ª Emenda conta com a presença de políticos conservadores, como o republicano Newt Gingrich que assume que houve exageros na chamada guerra às drogas proposta pelo presidente Nixon e que teve sequência com Ronald Reagan. Sem precisar impor suas opiniões sobre o tema, DuVernay, que realizou todas as entrevistas do filme, consegue respostas sinceras e constrói a realidade triste em que se encontra a terra do Tio Sam para latinos e negros. 

A 13ª Emenda é, antes de tudo, educativo. Há equilíbrio entre criação cênica e informação, percebido nos enquadramentos que fazem alguns entrevistados parecerem pequenos dentro do ambiente das entrevistas. Analogia clara a como os negros são vistos não só pela polícia, mas por toda uma parte da população, que colabora elegendo criaturas como Donald Trump para governarem seu país. Pequenos, menores, insignificantes e enclausurados. Até Hollywood está nessa ciranda, com um dos pais do cinema narrativo americano, D.W. Griffith, apresentando em seu filme O nascimento de uma nação, o principal personagem negro como um estuprador perigoso para as indefesas mocinhas brancas. Aliás, o negro do filme é um ator branco com o rosto pintado. Coisas de 1915, que parecem se repetir com outras roupagens. Mesmo que o cenário não seja nem um pouco animador, é preciso esperança. Uma das formas de mantê-la viva é não deixar filmes como A 13ª Emenda morrerem. Porque cinema também é denúncia e revolução.

Linha
tamanho da fonte | Diminuir Aumentar
Linha

Sobre o Colunista:

Bianca Zasso

Bianca Zasso

Bianca Zasso é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixão em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crítica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Sétima Arte.

Linha
Todas as máterias

Efetue seu login

O DVDMagazine mantém você conectado aos seus amigos e atualizado sobre tudo o que acontece com eles. Compartilhe, comente e convide seus amigos!

E-mail
Senha
Esqueceu sua senha?

Não é cadastrado?

Bem vindo ao DVDMagazine. Ao se cadastrar você pode compartilhar suas preferências, comentar ou convidar seus amigos para te "assistir". Cadastre-se já!

Nome Completo
Sexo
Data de Nascimento
E-mail
Senha
Confirme sua Senha
Aceito os Termos de Cadastro