Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 04/06/2006
O amigo americano (Der Americanische Freund; 1977) foi o primeiro grande sucesso comercial na filmografia do alemão Wim Wenders. Neste filme o realizador norte-americano Nicholas Ray (uma das influências estéticas centrais de Wenders) vive um estranho pintor, que usa um tapa-olho, e cuja obra tem um quadro arrematado num leilão que é a segunda seqüência do filme (a primeira é a conversa do pintor com uma personagem que estará no leilão do quadro e será fundamental no sinuoso desenvolvimento da ação policial do filme). Logo em seguida Wenders filmaria com tresloucada morbidez a morte real de Nicholas Ray em Nick’s movie (1980); em O amigo americano o câncer já começava a adonar-se da aparência fÃsica de Ray; a trama trata mesmo da questão da doença fatal e de como viver no limite diante desta doença, mas quem é obnubilado pela sombra da morte é a criatura interpretada por Bruno Ganz, o apreciador de arte que vira um inesperado matador de aluguel pela cena européia. Depois se deu a turbulenta produção de Hammet (1982), policial baseado em romance clássico feito para a produtora de Francis Ford Coppola. A Palma de Ouro em Cannes para Paris, Texas (1984) veio solidificar a ascensão de Wenders no conceito do grande público. Segundo o crÃtico Peter Buchka, em seu livro Olhos não se compram (1983), “aos olhos europeus, só podia parecer que ele queria a todo custo se tornar um diretor americano.†Este apanhado histórico pretende localizar a situação crÃtica do cinema de Wenders entre o fim dos anos 70 e os princÃpios dos 80.
É com estes “olhos europeus†que eu vi em seu tempo O amigo americano. Na verdade, embora se circunscreva a um gênero americano, o filme noir, e se aproxime do universo de ficção duma americana, a escritora PatrÃcia Highsmith, (sua caracterÃstica personagem de Tom Ripley, é aqui posta na pele de Dennis Hoper, que na juventude foi um dos jovens sem causa de Nick Ray), as possÃveis concessões comerciais de O amigo americano não impedem a beleza estilÃstica de Wenders, com uma preciosa utilização de cenários, uma magnificência nas movimentações de câmara e uma plástica fotográfica irrepreensÃvel. É verdade que ainda considero pouco Wenders o mistério policial barato que a narrativa adquire do meio para o final: é uma falsificação da arte do grande cineasta e se adequaria melhor ao estilo de filmar de Alfred Hitchcock (que foi um gênio) e de Brian de Palma (nem tão genial quanto na superfÃcie pode parecer para alguns). Mas o mistério formal que emana do conjunto de imagens de O amigo americano é certamente expressivo, expressividade que me escapou quando o vi há décadas; eu estava na cabeça com a impressão enfeitiçada de O medo do goleiro diante do pênalti (1971), que vira por aqueles anos no Instituto Goethe e que me parecera a melhor expressão cinematográfica duma esterilidade de vida que passa pelas asperezas e pelo distanciamento dos cenários; hoje me parece que o melhor de O amigo americano contém estes elementos de lentidão e aridez que inquietam em O medo do goleiro, mais amadorÃstico e estranho, mas esta comparação não me parece agora que converta O amigo americano numa obra com os pés na América (quando muito, com um olhar distanciado, de apaixonado –além de Ray, aparece como ator outro realizador americano, Samuel Fuller).
O desejo de fazer um cinema pessoal na América foi recentemente concretizado por Wenders em Estrela solitária (2005), um dos melhores filmes da temporada de 2006 em Porto Alegre.
NOTA: Além dos americanos Ray e Fuller, há o alemão Peter Lilienthal entre os diretores que atuam como ator em O amigo americano.
(Eron Fagundes)