O primeiro livro de Ian Fleming com James Bond, Cassino Royale, foi o único a não ter os direitos comprados pela Eon Productions, que faria a popular série de filmes com Sean Connery no papel do espião. Os direitos eram do diretor Gregory Ratoff e chegaram mesmo a fazer uma adaptação para a TV em 1954, com Barry Nelson e Peter Lorre. Quando o produtor Charles K. Feldman adquiriu os direitos do livro e não chegou a um acordo financeiro com Connery, que exigia um milhão de dólares e concluiu que a solução era partir para uma paródia.
Usaram então apenas algumas situações do livro (justamente as que envolvem o jogo no cassino, porque as outras já tinha sido usadas de alguma forma, roubadas seria melhor palavra pela série) e arregimentaram um pelotão de roteiristas (entre outros Woody Allen, que escreveu somente suas cenas), Terry Southern, Ben Hecht, Joseph Heller, de Ardil 22, Billy Wilder e até Peter Sellers) e diretores (Val Guest, Ken Hughes, Joseph McGrath, Robert Parrish (despedido depois de dois semanas) e John Huston, que fez as cenas na Escócia, ainda que tenham sido rodadas na Irlanda com Deborah Kerr e Niven.
Na verdade, também aparece como ator porque precisava pagar dívidas de jogo! McGrath foi despedido pessoalmente por Sellers, que mais tarde se arrependeu e pediu desculpas (antes chegaram a se trocar tapas embora fossem velhos amigos). Aliás, o longo Making of de 2007 está repleto de boas histórias e fatos pitorescos, alguns inacreditáveis). O resultado foi uma mastodôntica comédia, bem anos 60 e bastante irregular. Quem a produziu para a Columbia ao custo enorme na época de US$ 12 milhões (o orçamento original era a metade, mas foi um dos grandes êxitos do ano, rendendo US$ 41 milhões, certamente impressionados com o elenco all star, ainda que muitos em pontinhas).
O verdadeiro autor do projeto e o que permitiu todo aquele caos foi o produtor e agente Charles K. Feldman (1904-68), que foi casado com a atriz Jean Howard, amante da modelo Capucine que começou como fotógrafo de cinema e produziu clássicos como Uma Rua Chamada Pecado, O Pecado Mora ao Lado com Marilyn, Fúria no Alaska (este aqui foi seu último filme).Tinha feito pouco antes em 1965, uma comédia parecida O Que é que Há Gatinha: que igualmente não tinha muito sentido e também usava Woody Allen (como roteirista apenas) e Ursula Andress (na época considerada a mulher mais bonita do mundo embora falasse inglês com sotaque carregado alemão. Contam que para fotografa-la levavam às vezes quatro horas! Mas valeu a pena porque ela nunca esteve tão bonita).
Como produtor ele não tinha pulso, contratava os amigos e esbanjava dinheiro. O filme nunca chegou a ter uma história concreta e somente ao final que o diretor Val Guest tentou lhe dar um certo sentido, usando David Niven e Joanna Pettet (que faz a filha dele com Mata Hari, Mata Bond. A atriz revelada em O Grupo largou a carreira há alguns anos e serviu de enfermeira/guardiã para o amigo Alan Bates, quando este ficou muito doente e morreu. Ela aparece no making of e conta que não sabia dançar e que na dança foi quase o tempo todo dublada por outra. Por isso a cena é tão escura!).
Enfim usando gíria mais recente é uma zorra total. Na época tentaram fazer uma comédia psicodélica (uma nota importante: Não tem quase nada a ver com a versão oficial da série Bond, que serviu em 2006 para lançar Daniel Craig como James Bond. Embora ele realmente enfrente o milionário Le Chiffre, aqui feito por Orson Welles. Na outra versão este é banqueiro Madds Mikkelsen que financia terroristas).
Charles Joffe que era na época agente de Woody Allen foi quem lhe conseguiu o papel primeiro em O que é que há Gatinha? Depois neste filme ele é o sobrinho irrequieto e com vocação de vilão de David Niven, Jimmy Bond. É curioso que ele tem poucas sequencias (uma delas lembra seu filme Bananas) e em quase todos ele faz comédia física, coisa rara em sua carreira. Ou seja, faz micagens, mímica e piadas visuais (ou seja, nem ele está muito engraçado). Dois anos depois já estrearia como diretor (e ator) em Um Assaltante Bem Trapalhão.
David Niven faz o Bond veterano, Peter Sellers e Terence Cooper seus espiões auxiliares (este não foi adiante e mal chega a registrar aqui, passa em branco). O caso de Sellers é mais estranho porque este deve ser seu pior momento num filme. Ele está neutro e como sempre era um sujeito completamente neurótico, egocêntrico, maníaco depressivo e todo mundo achava insuportável (estava na época casado e brigando com Britt Ekland e ele mesmo admitiu andava fora de si). Um monstro! Aqui ainda tentam alguns disfarces (ele se veste de gay, Toulouse Lautrec, Hitler, Napoleão).
Para ter ideia de sua antipatia, resolveu brigar com Welles com quem teria sua grande cena no Cassino e as cenas deles foram quase todas rodadas isoladas, ou seja, sozinhos sem o parceiro (Welles se divertia fazendo mágicas, que era o que gostava e foi incorporado na história, mas também odiou Sellers).Que no final das contas acabou se prejudicando. Causou tantos problemas nas filmagens que acabaram cortando parte de suas cenas para se livrarem logo dele.
Por causa de tanta confusão as filmagens eram muito lentas e não se conseguia aproveitar mais do que um minuto por dia. Os atores vinham por alguns dias e ficavam semanas. Joanna esteve por 18 semanas ganhando, a israelense Daliah Lavi que rodava outro filme junto (O Espião de Nariz Frio) ficou um mês (na entrevista ela de cabelo grisalho elogiou muito Allen considerando-o educado. Ela também largou cedo o cinema, mas fez sucesso como cantora na Alemanha nos anos 70 antes de também se aposentar).
Outra jovem atriz que faz ponta aqui é a bela Jacqueline Bisset (que tem uma cena com Sellers abrindo champanhe, é outra a reclamar de seu egoísmo). A minha favorita da infinidade de mulheres é a alemã Barbara Bouchet, uma das mulheres mais belas que eu já conheci pessoalmente e que funciona bem como Miss Moneypenny, a secretária de Bond (ela depois faria carreira na Alemanha e Itália e continua bonita até hoje).
Dentre os convidados famosos temos George Raft (que faz novamente a cena de Scarface, precisava de grana, mas pediu para lhe darem o mínimo de diálogo), o francês Jean Paul Belmondo (na época namorado de Ursula que só entra para brigar e dizer Merde). Apesar do filme ter virado cult, ele não é muito engraçado. Na primeira Deborah Kerr (ainda sedutora) tem momentos de pornochanchada e a grande luta final é completamente maluca e por isso o momento mais divertido.
Talvez o grande acerto do filme seja a trilha musical de Burt Bacharach, que é executado pela então famosa Tijuana Brass. Foi por causa dele que o filme teve ao menos uma indicação ao Oscar, de canção (The Look of Love, que se vê numa cena de amor com Sellers e Ursula). O produtor como sempre queria cantar a canção, por não achá-la apropriada!
Um dos problemas da lentidão era o tempo que se levava para iluminar os sets com”arch lights” (Welles por exemplo ficava coberto de suor e a cada take tinham que mudar completamente seu figurino). O filme tem muitas referências a filmes (que hoje envelheceram). Uma grande confusão, bem datada, mas ainda curiosa. Traz comentário em áudio dos historiadores de Bond, John Cork e Steven Jay Rubin. Trailer e Making of Thrilling, em 5 partes.
Reza a lenda que a briga entre Orson Welles e Peter Sellers foi também causada por uma visita ao set da Princesa, irmã da Rainha Elizabeth II. Sellers, que a conhecia bem, a cumprimentou de forma ostensiva. Mas foi ignorado enquanto a Princesa se encantava com Welles. Ele ficou tão irritado que largou a filmagem e nunca mais quis rodar com Welles.
A primeira coisa que se vê no filme é um graffiti num mictório parisiense (que hoje não existem mais) onde se lê: "Les Beatles". Em 1999 a MGM pagou a Sony US$10 milhões pelos direitos do filme! Outra coisa boa de Cassino: os letreiros de apresentação e do filme que foram feitos por Richard Williams, o mesmo de A Pantera Cor de Rosa.