Este sempre foi um dos meus filmes italianos favoritos, talvez porque quando o vi em sua estreia era coisa rara se denunciar a corrupção no cinema. Justamente quando a Itália se recuperava da Segunda Guerra e crescia economicamente o filme de Dino Risi, produzido pelo famoso Dino de Laurentiis (que até Oscar especial levou no fim da carreira) especialmente para os talentos de Alberto Sordi, o humorista romano por excelência, revelado por Fellini e especialista em figuras patéticas, anti-heróis que não davam certo na vida.
Não era exatamente chapliniano porque era muito italiano no comportamento exuberante, na fanfarronice, na sua habilidade de misturar drama e comédia (aliás o filme é difícil de classificar, como muitos dele). Justamente por isso que sua carreira muito longa teve percalços.
Fellini quando quis usá-lo como figura central em seus primeiros filmes esbarrou no preconceito dos exibidores/produtores que não o queriam no elenco. E mesmo no Brasil, eles diziam que filme de Sordi era fracasso certo (dele e de Walter Matthau que, por alguma razão, o brasileiro não curtia).
Mas ele é certamente o mais típico representante da comedia a la italiana, que criticava abertamente os costumes do país em desenvolvimento (e basta ver os problemas que ela enfrenta atualmente para se ter certeza que ela não mudou muito).
O roteiro de filme italiano geralmente tem a participação de muita gente, de quatro a oito pessoas. Mas aqui é obra de um único: Rodolfo Sonego (1921-2000), que era habitual colaborador e pessoa de confiança de Sordi (fez praticamente todos os filmes dele desde o começo de carreira e outros ocasionais como As Bonecas, Anna, Satyricon, de Fellini, Esposamante).
Da sua maneira particular, Sordi faz um idealista que luta contra os nazistas arriscando a vida até quando é socorrido por uma mulher do interior que lhe dá abrigo e amor. Eventualmente quando tenta a vida como jornalista e realiza seu sonho de virar escritor, volta para casar com ela (e terem um filho).
Mas a vida será difícil, também com a sogra que os ajuda, e o ponto chave é quando ele recusa servir a um industrial poderoso que tenta suborná-lo. O que é melhor: conservar a dignidade ou se vender e arrumar a vida. Pensei muitas vezes no filme quando eu mesmo tentava evitar as armadilhas da profissão, manter um padrão de vida baixo para não ser obrigado a trabalhar no que não queria, ou de alguma forma me corromper.
Não que o filme seja moralista, mostra a vida como ela é, só que sempre com senso de humor (porque se não de outra forma se torna impossível suportá-la). Embora o elenco de apoio neste filme seja realmente secundário, quem tem uma presença forte é a interessante Lea Massari (que está ainda viva e participou de filmes importantes como Aventura de Antonioni, Um Sopro no Coração de Louis Malle, As Coisas da Vida com Romy Schneider).
Eu ainda tive a sorte de conhecer e entrevistar Alberto Sordi em Veneza, quando praticamente ele se ofereceu para ser entrevistado, ao descobrir que eu era brasileiro, estava louco para falar da sua experiência no Brasil aonde veio descansar e passava a semana inteira nas praias do Guarujá, dizia ele cercado de mulheres (porque os maridos só vinham no fim de semana).
Noutro ano, ainda o vi na última aparição quando mostrou seu último filme (mas já estava doente e cansado). Sua casa era uma atração em Roma (tudo sabia onde morava e a mostrava) e ele era O Rei de Roma, querido e respeitado:
Sordi, Alberto (1919-2003) - Ator italiano, nascido em 15 de junho, em Roma. Um dos cômicos mais populares do seu País. Mas nunca se limitou a ser engraçado, procurando temas mais sérios em sátiras como Uma Vida Difícil, de Risi, O Mafioso, de Lattuada, A Grande Guerra, de Monicelli. Nunca conseguiu ser aceito internacionalmente, apesar de algumas tentativas (O Melhor dos Inimigos/ The Best of Enemies, de Guy Hamilton, 1961; Adeus às Armas/ A Farewell to Arms, de Charles Vidor, 1957). Passou também a escrever roteiros (O Médico do Instituto) e a dirigir com razoável habilidade.
Já em 1936 era ator de teatro e dublador de Oliver Hardy. Estreou no cinema fazendo pontinhas (trabalhou em mais de 150 filmes!), até que Fellini o transformou em astro em duas obras primas: O Abismo de um Sonho e Os Boas Vidas.
Eu sei que a matéria esta longa, mas não estaria completa sem também a carreira do diretor Dino Risi:
Risi, Dino (1916-2008): Diretor italiano, especializado em comédias de costumes, por vezes contundentes e amargas (Uma Vida Difícil, Aquele que Sabe Viver). Nascido em 23 de dezembro, em Milão, na Lombardia, estudou Medicina e Psiquiatria (que exerceu), refugiou-se na Suíça durante a Guerra, onde seguiu o curso de Cinema de Jacques Feyder. Começou fazendo curtas-metragens (em 5 anos rodou 23, muitos deles premiados em Veneza e Bruxelas). Foi assistente de Lattuada e escreveu alguns roteiros antes de fazer seu primeiro longa em 1952. Trabalhou principalmente para a Produtora Titanus, em comédias de sucesso onde sua verve e espírito satírico foram descobertos pela crítica francesa. Em 1953, tentou em vão fazer um filme na Vera Cruz paulista. Também atingido pela crise do cinema italiano, decaiu em nível de produção e inspiração. O filho, Marco Risi, também passou à direção.Assim como outro filho Marco Risi, seu irmão Nelo Risi. Faleceu em 6 de junho. Escreveu em 2004 a autobiografia I Miei Mostri. Teve romances com Anita Ekberg e Alida Valli mas sua companheira foi a pouca conhecida atriz Leontine Snell com quem viveu 40 anos.