Crítica sobre o filme "Nós Que Nos Amávamos Tanto":

Rubens Ewald Filho
Nós Que Nos Amávamos Tanto Por Rubens Ewald Filho
| Data: 31/03/2012

Ex-roteirista e diretor de fitas para Gassman, Scola se revelou com Ciúme à Italiana (1970), decepcionou parcialmente com Chicago Story (1971), mas a partir deste filme, continuou uma brilhante carreira que incluiu Feios, Sujos e Malvados, O Baile e O Jantar (onde se reuniu novamente com Gassman, que logo depois faleceu, e Sandrelli).

Como no melhor cinema peninsular, o filme de Scola tem de tudo: humor, sátira social, crítica política, melodrama. Utiliza uma narrativa original e inteligente, mas ao mesmo tempo acessível. Ele sabe que para dizer coisas importantes não é preciso se fazer filmes herméticos e incompreensíveis.

Rindo ou chorando, o público entende bem o drama dos protagonistas, compartilha do preço que o advogado tem que pagar em nome do sucesso e da fortuna, emociona-se com os problemas do dia a dia do operário, dividindo o spaghetti ou ficando na fila para conseguir vaga na escola pública.

São três companheiros. Um deles se casou com uma mulher rica e feia, tornou-se milionário, importante e infeliz.

Outro atendente de hospital tem a mesma falta de perspectiva de um operário comum. O terceiro intelectual engajado perdeu na final de um programa de TV tipo Show do Milhão e nunca mais teve sorte. Quase 30 anos depois, eles se reencontram e descobrem que mudaram muito e que perderam algo no caminho. A história desses três amigos e da mesma mulher que, em alguma fase de sua vida eles compartilharam, é a base para esta grande fita. Por intermédio deles, conta-se também a história da sociedade italiana do pós-guerra e de certa forma, a própria história do cinema italiano.

Narrado em flashback, a fita é em preto e branco até o começo dos anos 60, justamente quando todo o cinema passou também a ser feito necessariamente a cores. Faz-se referências à Servidão Humana, Ladrões de Bicicletas, de De Sica, e mostra-se até uma cena dos bastidores da filmagem de La Dolce Vita (em que participam os autênticos Fellini e Mastroianni).

O cinema serve de contraponto a toda a narrativa. Embora os roteiristas tenham ido buscar no teatro um outro recurso importante. Inspirando-se numa peça de Eugene O’Neill, em que os personagens que assistem a encenação passam também a dizer seus pensamentos em voz alta, às vezes dialogando com a própria câmera, comentando a ação enquanto em volta deles, tudo se obscurece como num palco. Seu elenco é perfeito.

Vittorio Gassman faz um personagem semelhante ao de Este Crime chamado Justiça (que fez muito sucesso no Brasil em sua época), na qual sua exuberância encontra o veículo exato. Nino Manfredi, é o operário no estilo oposto, discreto, irônico, mestre no subentendido. Stefania Sandrelli é a mulher para os três homens (Stefano Satta Flores é o intelectual e o ponto mais fraco da fita), como de hábito bela e sensível.

O veterano Aldo Fabrizzi tem também uma participação marcante, mas é Giovanna Ralli que acaba se tornando uma revelação. Depois de anos em filmes medíocres, ela se transforma numa mulher feia e desajeitada que aos poucos se modifica numa beldade devorada pelo tédio. Scola dedica este filme à Vittorio De Sica, uma homenagem que não poderia ser mais acertada. Seu filme é como dos melhores do mestre: humano, poético, alegre e profundo.