Este já foi o 24° filme do mestre da comédia social americana Frank Capra, o primeiro que lhe deu quatro indicações ao Oscar e também as primeiras para a produtora Columbia, que naquela época era uma das mais pobres de Hollywood.
Foi nesta vez que aconteceu a cena famosa e folclórica, em que Frank se levantou quando o apresentador Will Rogers disse: "Venha buscar o Oscar, Frank". Só no meio do caminho que percebeu que era o outro Frank o vencedor: Frank Lloyd. Mas não foi grave porque no ano seguinte ele ganharia todos os prêmios principais da Academia com seu célebre Aconteceu Naquela Noite. Esta edição traz uma cópia restaurada e em excelente estado (extraída da cópia em 35 mm do próprio diretor, já que o negativo original não existe.
Mas o trabalho foi perfeito e realizado por uma distribuidora pequena porque o filme não pertence mais a Columbia (ainda que use seu logotipo antigo, por sinal muito bonito) porque Capra tinha adquirido os direitos do estúdio quando quis refazer uma refilmagem, no que viria a ser seu último trabalho, também chamado aqui Dama por um Dia (Pockeful of Miracles, 1961), que existe em DVD no Brasil. Por isso mesmo que este original é pouco conhecido embora tenha sido sucesso de bilheteria e tenha sido indicado aos Oscars de diretor, atriz (May Robson), filme e roteiro.
É importante se falar da parceria de Capra com o roteirista Robert Riskin (1897-1955). Eles eram grandes amigos (Riskin era na época namorada de Glenda Farrell, o que explica sua presença no filme fazendo a namorada do gangster, aliás sua especialidade na Warner). Fizeram juntos até o começo dos anos 50, todos os grandes trabalhos (coincidência ou não, sem Riskin, Capra entrou em declínio). Entre eles, Aconteceu Naquela Noite. Do Mundo nada se Leva, Adorável Vagabundo, Horizonte Perdido e O Galante Mr. Deeds.
A primeira coisa a chamar a atenção é o fato de que a história se passa em plena Depressão econômica, quando ela estava a todo vapor (o cinema era muito barato e não foi afetado, era a diversão das massas) . Na verdade, Capra tinha um histórico importante de abordar temas difíceis e políticos, mas parece que percebeu que o jeito de lidar com o assunto era fazer o que é basicamente um conto de fadas, meio Cinderela, só que com uma mulher idosa.
Frank Capra havia sido emprestado para a MGM para rodar um filme chamado Soviet e em troca teria Robert Montgomery para estrelar este filme. Só que o projeto foi cancelado e ele também não conseguiu os outros astros que pretendia: Marie Dressler como protagonista,William Powell ou James Cagney como o gângster Dave e nem W.C. Fields para fazer o juiz. Por isso teve que se contentar em escalar atores mais baratos que trabalhavam para a Columbia com poucas exceções (o senhor que faz o deficiente que não tem as pernas era um sujeito que Capra conhecia das ruas).
Mas o filme tem muitas qualidades, além da excepcional fotografia de Joseph Walker (outro que trabalharia o resto da vida com Capra, até se aposentar). Tem um ritmo rápido (Capra que veio ainda do cinema mudo reclamava da lentidão dos filmes daquela época e procurou fazer tudo mais rápido e direto aqui). E uma história sentimental e emocionante que o espectador não consegue resistir.
Afinal se trata de amor de mãe. A fábula de uma vendedora de maçãs na rua que guarda dinheiro para educar a filha na Europa (como se isso fosse possível!). Mas esta vai se casar com nobres italianos que vem conhecê-la. Para salvar da enrascada, conta com a ajuda de um gângster galante que é capaz de movimentar tanto o submundo quanto os policiais e mesmo os políticos de Nova York (obviamente mostrando que está tudo superligado um no outro!).
E assim Apple Annie vira Dama por um Dia, sendo saudada até pelo governador! Não se mostra logicamente o que iria acontecer com ela no dia seguinte, mas sonhar a gente ainda pode sem pagar impostos.
Para mim o ponto fraco do filme é a presença da atriz central, May Robson (1858-1942), que era australiana, veio do teatro e eu elogiei tanto no Nasce uma Estrela, de Janet Gaynor. Ela fez vários testes e só foi selecionada no último momento, o que demonstra que o própria Capra temia. Ela tem um tipo de mulher má, de velha bruxa, não tem a ternura, a delicadeza de uma mãe como o personagem. Além disso é velha demais para ter uma filha tão jovem (mesmo problema no remake, onde Bette Davis não está nada à vontade super maquiada para envelhecer.
É o papel mais apagado de sua carreira, parece mais uma avó e ainda assim uma vovó ruim! Isso prejudica muito a revisão do filme que por vezes consegue ser encantador e por isso virou cult. Afinal, bem que a gente gostaria de acreditar que até mesmo nos piores ladrões da rua, nos gângsters, nos policiais e nos políticos ainda existem uma coisa boa dentro deles e farão uma ato de generosidade se tiverem essa oportunidade!