Crítica sobre o filme "Contrastes Humanos":

Rubens Ewald Filho
Contrastes Humanos Por Rubens Ewald Filho
| Data: 28/04/2012

Uma das mais famosas sátiras do cinema, pouco conhecida no Brasil, mas cultuada na França e mesmo Estados Unidos. Também está esquecido por aqui a figura do diretor Preston Sturges que é muito importante.

Sturges, Preston (1898-1959)

Um início brilhante, um final melancólico. Ele era daqueles que antigamente se chamavam de um renascentista, por ter uma enorme e erudita cultura. Tão brilhante que o fez ser um dos melhores roteiristas de sua geração e depois um grande diretor para a Paramount, com fitas engraçadas, satíricas e mesmo ousadas.

De repente, tudo acabou. Tentou teatro, ser dono de restaurante, trabalhar no exterior, mas a chama que brilhou tão intensamente também se apagou com a mesma rapidez. Ficou ao menos o legado de seus filmes, típicos produtos de sua época, os anos 40.

Nascido em 28 de agosto em Chicago, estudou na França, Alemanha, Suíça, trabalhando para a firma de cosméticos da mãe. Na verdade, sua história é mais complicada. Criado de forma pouco ortodoxa por excêntricos e ricos, foi chamado aos 16 anos para dirigir a firma de cosméticos da mãe e foi assim que virou um inventor, criando o batom à prova de beijo (e outros que parecem coisas saídas de suas futuras comédias).

A partir dos anos 20, ele concentrou seus talentos em escrever e, com inteligência, conseguiu convencer a Paramount a deixá-lo também ser o diretor de The Great McGinty. Só ganhando dez dólares de salário. Acabou ganhando um Oscar de Roteiro e o estúdio não teve outra forma de liberar seus maiores astros para suas outras fitas, sempre comédias que não se sabia como passavam pela censura.

Papai por Acaso, por exemplo, conta a história de uma garota chamada Trudy que numa mesma noite, encontra, se casa e fica grávida de um pracinha, cujo nome ela se lembra apenas vagamente (Eddiie Bracken que faz o mocinho do filme acabaria sendo seu ator predileto).

Outro clássico da comédia é As três Noites de Eva em que o virginal Henry Fonda é a vítima da predadora Barbara Stanwyck. Foi autor de quatro peças de teatro. Escreveu 15 roteiros para Hollywood, a maior parte deles para a Paramount.

A partir de 1940, passou a dirigir, mas em poucos anos gastava sua verve, caindo em desgraça até o fim da vida. Como tinha temperamento violento e volátil, depois de brigar com a Paramount tentou a sorte numa comédia com Betty Grable na Fox. Mas tristemente havia perdido a graça. Morreu em 6 de agosto de enfarto em Nova York.

Este filme é do auge de sua carreira, quando os críticos o idolatravam e o público correspondia. Ele escreveu um roteiro muito hábil onde consegue mostrar os problemas sociais da realidade americana da época, enquanto ao mesmo tempo satiriza a indústria de Hollywood e a própria ingenuidade dos diretores (ou dos americanos).

O alto e simpaticão McCrea (1905-90) era uma espécie de Gary Cooper ainda mais cool, que representava o mínimo possível, mas tinha cara de bom moço americano. E Sturges usa isso (pensem, no filme até o herói é bobinho e pensa que é cheio das verdades, só para no transcorrer dos problemas cair em si. Tudo isso em tom de comédia).

Como a namorada do diretor também faz bom uso de uma baixinha, que, na época, era estrela por causa de um gimmick, um truque, ela usava o cabelo caído num dos lados, que se tornou sua marca registrada. Foi assim que Veronica Lake (1922-73) foi algo mais do que simplesmente a parceira de Alan Ladd numa série de policiais (se davam bem porque ambos eram pequenos e frios).

Num determinado momento ela também se disfarça de homeless e funciona bem no filme. Mas ele é cheio de referências. Por exemplo, Sullivan planeja fazer um filme chamado O Brother, Where Art Thou?, um título que depois foi emprestado pelos Irmãos Coen no filme de 2000, E aí Irmão, Cadê Você? (com George Clooney, justamente sobre a depressão e trens).

O autor do livro mencionado é Sinclair Beckstein, um amalgama de Upton Sinclair, Sinclair Lewis e John Steinbeck, autores americanos famosos. Não apenas Veronica está grávida durante a filmagem, mas também adiantada, entre seis e oito meses (a filha nasceu um mês depois do fim das filmagens).

Mas só sabiam disso a figurinista Edith Head e a mulher de Sturges, que guardaram segredo e desenharam as roupas adequadas para esconder a condição. Sturges teve a ideia do filme quando leu reportagem sobre o ator John Garfield, que teria sido “hobo” (nome para sem teto na época) viajando em trens de carga pelo país.

Sturges tinha grande admiração por Chaplin e queria ter usado um trecho de um filme dele na cena da igreja, mas este não deu permissão. Ainda assim McCrea faz uma imitação de Carlitos. Foi usado eventualmente um desenho animado da Disney com o cachorro Pluto para deixar a mensagem final: a vida já é dura demais, as pessoas são infelizes e já faz um trabalho importante quem vive para divertir os outros, para tornar a vida mais suportável.

E a melhor maneira seria fazendo os outros rirem. Por isso, Sturges chegou a escrever no roteiro uma fala que Sullivan diria: "Esta é a história de um homem que queria lavar um elefante. O maldito elefante quase o arruinou”.

Ainda assim ficou a dedicatória do começo que diz “Em lembrança de todos aqueles que nos fizeram rir, os palhaços, os comediantes de todas as épocas e lugares, cujos esforços diminuíram nossa carga um pouco. A eles este filme é afetuosamente dedicado”.

Na época o filme foi elogiado pelas associações de negros pela maneira digna e decente dos negros. O seu pôster muito artístico é considerado um dos melhores de todos os tempos. E o filme ficou em 61º lugar dentre os melhores de todos os tempos do American Film Institute.