Crítica sobre o filme "Ano Passado em Marienbad, O":

Rubens Ewald Filho
Ano Passado em Marienbad, O Por Rubens Ewald Filho
| Data: 10/06/2012

Segundo longa-metragem de um consagrado cineasta francês da “Nouvelle Vague”, Marienbad é um dos filmes mais polêmicos e difíceis de toda a História do Cinema. Outras fitas de Resnais (1922- ) poderiam ter sido escolhidas para este livro, sua carreira está repleta de grandes filmes (Hiroshima, mon Amour; Meu Tio da América, Providence, A Guerra Acabou, entre outros). Mas esta representa aqui um estilo de cinema radical, mas que também pode ser fascinante. Baseado em livro de autor da escola “Nouveau Roman”, o filme ganha o Leão de Ouro no Festival de Veneza e chegou a ser indicado ao Oscar de roteiro. A atriz teatral Delphine Seyrig (1932-1990) havia feito antes um único filme (Pull my Daisy,58) e voltaria a trabalhar de novo com o diretor Resnais em 63 (Muriel).

O jogo de palitos apresentado pelo personagem do marido, durante muito tempo esteve em moda por causa do filme.

Este não é um filme convencional, nem uma diversão passageira. Quando foi rodado, era um filme de vanguarda e até hoje não foi superado. O próprio Resnais ficou em uma encruzilhada em sua carreira procurando alternativas, muitas vezes semelhantes. Mas sem nunca superá-la. Porque O Ano Passado em Marienbad é a “obra-aberta” por excelência.

O fantástico do filme é que ele suporta qualquer explicação e análise. Cada espectador pode ter a sua própria versão dos acontecimentos: o filme lhe dará sempre alguma base para argumentação, não importa o que concluir. Você estará sempre certo.

 O roteiro de Alain Robbe-Grillet brinca com o tempo e o espaço. Resnais não dá pontos de referÊncia. É inútil se prender à indumentária ou a detalhes do cenário. O quebra-cabeça mistura passado, presente, futuro, realidade e imaginação num mesmo poema visual.

 As imagens se encandeiam geometricamente, no barroco dos detalhes do Hotel, nas simetrias dos jardins e na disposição dos figurantes. Os diálogos tem uma importância quase sempre relativa. Sua repetição é como uma espécie de música, como nas sequências iniciais em que a maior parte da narração é propositalmente inaudível (compreendendo-se apenas “Je m´avance une fois de plus, au long de ces couloirs /Caminho uma vez mais através destes corredores”)

Marienbad é um fascinante exercício de estilo. Não há um plano fora de lugar. Uma imagem que não flua corretamente para a sequência seguinte, uma solução que não tenha se tornado clássica. A comparação com uma sinfonia é preciosa: sua estrutura é toda musical, com um texto que se repete, um tom recitativo que corresponde à Opera, a cada instante tem-se a impressão de que os personagens poderiam começar a cantar!

Para Resnais, “o mundo é verdadeiro para todos, diferente para cada um. Isto que torna tão difícil a comunicação entre os seres.”. No caso do espectador exigir uma explicação, fornecemos algumas, usando os nomes dos atores para ajudar na referência.

Giorgio encontra Delphine o ano passado, neste hotel. Ambos se apaixonam e ela concorda em fugir com ele. Mas no último momento, com medo da reação do marido, ela pedia um adiamento de um ano. Passado esse tempo, Giorgio vai buscá-la. Mas Delphine não o reconhece. Esqueceu-o. Giorgio se admira, lembra fatos, datas, cita conversas, descreve cenas que não pode ter inventado. Comprova com fotos. Delphine continua a não se lembrar. Pode ser então que Giorgio se engane. Talvez ele tenha tido uma aventura ali mesmo, no ano passado, mas com outra mulher.

E talvez Delphine tenha tido uma aventura com um certo Frank, cujo nome aparece várias vezes nas conversas dos hóspedes do hotel. Mas Giorgio insiste e, como se fosse suficiente invocar um passado para ele existir, consegue convencer Delphine. Nesta altura, nenhum fato é mais comprovável. Conclusão: a fuga dos dois amantes é contada no passado, de maneira que toda a história possa recomeçar, foi no ano passado que ela se deu e pôde se repetir indefinidamente.

Mas é muito difícil dar uma explicação verbal para um veículo tão flagrantemente construído sobre imagens. Não é à toa que Resnais chama seu filme de A Persuasão, dizendo que é possível que todos os personagens tenham razão.

E realmente tudo é válido. Na introdução ao livro de Grillet, há alguma ajuda na explicação do argumento: Diz ele “Não se sabe nada absolutamente sobre eles, nada sobre sua vida, não são mais que como a gente os vê. Os clientes de um grande hotel de repouso, isolados do mundo exterior e que parece uma prisão. Seu passado não existe. Temos a impressão de que a história que o herói conta está sendo inventada na hora em que fala. Não há ano passado, nem existe Marienbad, não há outra realidade, além do momento presente.”

Mas há outra maneira de ver Marienbad, que depois foi confirmada por uma declaração de Resnais. Giorgio poderia ter tido um romance com Delphine no ano passado, foi pego em flagrante pelo marido e morto. No ano seguinte, ele retorna (como fantasma) para levá-la consigo para o além. Segundo Resnais, isso é ligado a velhas lendas bretãs, a história da Morte que vem buscar sua vítima e lhe deu um ano de “sursis”.

Não há explicação oficial. Temos outra, Delphine pode ser uma psicopata (como em Caligari) e aquele hotel pode ser apenas uma crítica. Outra mais fantasiosa: Giorgio é o príncipe encantado que chega ao castelo para acordar sua Bela Adormecida. Mais outra: Delphine não existe, ela está morta há muito tempo e tudo já se passa entre mortos.

Só uma coisa é certa. Segundo Resnais, Marienbad é um filme totalmente onírico, um filme sobre as incertezas do Amor. Pode–se alguma vez saber se projetamos sobre os outros, nossos próprios fantasmas, ou se recebemos em nós, os fantasmas dos outros?