Curiosamente lançado aqui apenas como Hiroshima mon Amour, este é o primeiro longa-metragem do então famoso documentarista Resnais. É importante situar a época e comentar que este filme foi 1) precursor da Nouvelle Vague que saiu no mesmo ano e absorveu o diretor no movimento 2) foi feito no auge da Guerra Fria, onde havia pavor de uma Guerra Atômica e esse era um tema muito incentivado pelo Partido Comunista, já que o poder americano era maior e eles faziam tudo para condenar a decisão americana de soltar bombas atômicas em duas cidades no Japão para precipitar o fim e a rendição e evitar mais mortes de soldados aliados.
Ou seja, falar em paz era coisa da esquerda e condenação dos EUA. 3) O filme era muito ousado estilisticamente, misturando literatura e cinema, fugindo do realismo (mesmo na interpretação de Riva, que dá sempre um toque teatral ou artificial de propósito). Mas principalmente ousando misturar passado e presente sem os flashbacks tradicionais (coisa hoje absorvida pelo público, mas então uma revolução na linguagem). Resnais pensou antes em Françoise Sagan para escrever o roteiro (estava no auge da moda dela mas esta recusou) e depois em Marguerite Duras, da linha do Nouveau Roman e futura diretora de cinema de vanguarda.
Seu estilo pessoal, romântico e preciso, marca todo o filme. Sem dúvida, os primeiros minutos são uma intocável obra-prima, quando um casal na cama primeiro parece se liquefazer como se fosse areia, depois suor (como as vítimas da cidade queimadas pela força de mil sóis) . É um casal na cama de um hotel: uma atriz francesa que veio rodar um filme internacional na cidade e um arquiteto japonês, ambos casados e felizes com outros.
O diálogo se repete: Eu vi tudo em Hiroshima... Você nada viu, ele replica. Enquanto em forma de documentário visitamos museus e a cidade trazendo ainda as cicatrizes da tragédia. Depois o filme perde um pouco o fôlego quando o japonês insiste em continuar com a europeia que irá partir no dia seguinte. Isso deflagra nela uma lembrança que tentava ocultar e esquecer. Quando muito jovem em sua cidade natal Nevers, ela teve um romance com um soldado alemão que foi morto em seus braços. Depois teve a cabeça raspada e foi escondida num porão pela família.
O filme então se torna um exercício de tempo, memória e esquecimento (Diz Duras: Você não encontrará os limites do esquecimento tão longe que você não possa esquecer”). Embora a cópia seja um pouco escura, o filme tem uma trilha musical inesquecível, foi indicado ao Oscar de roteiro, ganhou prêmio da crítica em Cannes, melhor filme estrangeiro pelos críticos de Nova York e Resnais foi indicado ao Sindicato dos Diretores! Traz referências explícitas a Casablanca, Orfeu de Cocteau. Para não dizer que é perfeito, perde fôlego como se não soubesse como terminar (e acaba de certa maneira interrompido.