Crítica sobre o filme "Face a Face":

Rubens Ewald Filho
Face a Face Por Rubens Ewald Filho
| Data: 15/06/2012

Um dos filmes mais raros de Bergman porque foi feito para o produtor Dino de Laurentis. Foi feito antes de O Ovo da Serpente e Sonata de Outono, na época em que o diretor estava sendo perseguido pelo fisco sueco e muito aborrecido pensava em se mudar de seu País.

Este seria o filme que deveria ter dado o Oscar para Liv Ullman, que chegou a ser indicada ao prêmio de melhor atriz, assim como Bergman como melhor diretor. Mas, acredite quem quiser, ele perdeu para John Avildsen (quem mesmo? O sujeito nunca deu certo depois) que dirigiu Rocky, o Lutador. Liv ao menos perdeu com mais dignidade para Faye Dunaway, que era uma estrela no auge da carreira ao menos).

Liv se meteria a fazer filmes americanos e europeus e nunca mais teria outra indicação, o que não deixa de ser uma grande falha, já que ela é sem dúvida uma das maiores atrizes que o cinema já teve. Infelizmente esta não é uma cópia restaurada e se apresenta um pouco escura e desmaiada. Mas ainda assim mais longa (130 min).

Como sempre Bergman fazia duas versões de seus filmes, uma mais longa para a TV sueca e outra para os cinemas. O longa era dividido em quatro episódios (Separação, A Fronteira, Terra do Crepúsculo, O Retorno, num total de 181 min).

O filme ficou com a fama de ser a maior interpretação de Liv e um dos mais densos e sombrios do diretor (ainda que aliviado pela trilha musical de Mozart). É verdade que nenhum outro diretor escreveu papeis tão formidáveis para alguém como ela, que reflete tudo em seu rosto, tudo que pensa, sem exageros, sem histeria. É realmente uma atriz imensa. 

O crítico do New York Times chegou a achar que formava trilogia com Gritos e Sussurros e Cenas de um Casamento por serem mais misteriosos, densos e contraditórios. Sem dúvida, de sua fase de maturidade. Na primeira cena mostra a doutora se despedindo de sua casa vazia, se mudando, observando com o vazio (com ecos). É o começo de um processo de desintegração que ela vai passar, conjurando fantasmas do passado, solidões e desespero, uma tentativa de se entender com um colega (que gosta dela mas só tem um impedimento para darem certo, ele é homossexual). E que depois de um mergulho no inferno dos sentimentos e das contradições, na tentativa de suicídio, no desespero, é forçada a encontrar consolo no inevitável, na figura de seus avós velhinhos e doentes, que estão se preparando para a última e inevitável despedida.

Não procurem razões específicas para a crise existencial da heroína. Há alguns sonhos, alucinações que refletem seu subconsciente, mas aqui a psiquiatra não vai dar soluções mágicas, parece que Bergman é bem ambivalente diante delas. No prefácio do roteiro ele admite que sempre teve suspeitas de sonhos, aparições e visões na literatura e no cinema, porque parecem coisas arranjadas demais. Por isso diz que neste filme elas são “extensões da realidade” e que não devem ser levadas literalmente como sonhos.

De qualquer forma, eles retratam mais a infância de Jenny que ficou órfã quando a mãe morre em acidente de carro e ela é criada pelos avós. Portanto não é um caso clínico, mas um drama sobre uma mulher que tem que enfrentar suas decepções e contradições, tudo que ainda não aceitou. É verdade que o filme para mim perdeu parte do impacto, talvez pelas imitações. De qualquer forma, está entre os grandes de Bergman. A edição traz trailer. Texto sobre Bergman. 

Liv Ullman, atriz por excelência

O tempo me tornou meio blasé, um pouco esnobe. Nunca fui muito de me derramar aos pés das celebridades que conheci, até porque elas já estão cansadas disso. Quando em começo de carreira, e como todo jovem, fui um pouco arrogante. Lembro-me de ter feito perguntas embaraçosas para Gene Kelly (perguntado dos fracassos e não dos sucessos), Cliff Robertson (logo depois dele ter ganho um Oscar). Fui melhorando com o tempo, quando levei mais porradas da vida e quando passei a viajar mais e ter contado com os ídolos da juventude.

Sentei-me aos pés de Jean Simmons, jantei com Margaret O´Brien, beijei o rosto de Debbie Reynolds, fiquei apaixonado por Kim Novak. Mas de todas as lembranças de festivais uma das mais memoráveis foi a entrevista que fiz com Liv Ullman, no lançamento de Infiel em Cannes. Adorava a atriz que considero ainda hoje uma das melhores do mundo, em particular em sua parceria com Ingmar Bergman (em Face a Face ela chegou aos limites do que é possível para uma atriz alcançar em dilaceração emocional). Também tinha admirado o livro autobiográfico dela chamado Mutações que havia feito muito sucesso no Brasil.

Mas nada havia me preparado para a pessoa querida, quente, amável, afetuosa que ela se revelou. Quando chegou fui pedindo desculpas por fazer as mesmas perguntas de sempre e ela gentil, respondeu: Não tem importância, a gente fica flertando (e segurou minha mão durante toda a primeira parte da entrevista). Aliás, essa entrevista faz parte da edição do filme original pela Versátil.

Por isso fiquei entusiasmado com a chance de poder falar novamente com ela em sua nova visita ao Brasil para relançar seu livro (agora em bela edição da Cosac Nayf). Por sorte, o cônsul da Noruega que controlava sua visita, me conhecia e me consegui trinta minutos com ela. E vejam que alegria, agora aos 70 anos, ela estava em plena forma. Magra, sem plásticas, com seus luminosos azuis ainda é sem dúvida uma mulher bonita. E maravilhosa.

O bom de entrevistar celebridades no Brasil é que em geral elas já são instruídas antes por seus assessores de quem sou eu etc e tal. Então já chegam preparadas para falar com alguém importante (disseram para ela) e que conhece bem sua carreira. Foi o caso dela, que gentilmente mentiu dizendo que lembrava de mim, mas adorou ouvir a história das mãos dadas (fiz questão de ir apertar a mão também do marido, pelo jeito rico, que a acompanhava para evitar cenas!).

Durante a entrevista contei que era diretor de teatro e apresentei o assistente Germano Pereira (que fazia câmera de apoio) como ator (mais tarde ela o elogiaria e desejaria sorte na carreira). Tudo isso, me tornou um membro da mesma tribo, não era um invasor mas parceiro. E talvez ajude a explicar porque a entrevista foi tão boa (ela chegou a ser colocada no You Tube, suponho que ainda esteja disponível nele) .

No fundo o que todo entrevistador quer é que o convidado se emocione, se possível chore. E os olhos de Liv ficaram cheios de água quando perguntei sobre Bergman, mas de maneira nada agressiva (dizem que ela se ressente em falar só dele) mas perguntando como encarava seu desaparecimento. E ela falou com enorme delicadeza a falta que sente dele, não apenas o pai da filha dela, mas de seu melhor amigo, com quem falava quase todos os dias.

Até eu me emocionei e fui levando tudo como se fosse uma conversa íntima e não num restaurante de hotel, feitas as pressas (porque a equipe ficou presa na porta sem poder conseguir permissão para entrar). Perguntei o que queria: sobre sua temporada na Broadway no musical I Remember Mama, de Richard Rodgers, sobre o Horizonte Perdido (ela ficou espantadíssima quando ficou sabendo que era cult no Brasil onde havia sido sucesso e prometeu parar de falar mal dele, aliás me pediu até para mandar para ela uma copia do VHS que tenho do filme).

Também sobre seu trabalho de diretora (cansada de perder financiamentos por interferências de burocratas ela decidiu se dedicar ao teatro, aliás como o mentor Bergman e foi dirigir depois na Austrália com Cate Blanchet, uma nova versão de Um Bonde chamado Desejo/Uma Rua Chamada Pecado. Que por sinal teve elogios incríveis, os melhores possíveis ao ser exibido rapidamente em Nova York). Sua ficha no iMDB fala que ela andou fazendo outro filme recentemente como atriz Dois Amores do alemão Georg Maas, com Ken Duken, que deve estrear em outubro na sua Noruega natal.

Perguntei também do que se arrependia (por vaidade recusou Fanny e Alexandre, para fazer fitinha norueguesa e depois ver que perdeu a chance de estar numa obra-prima. Bergman passou meses sem falar com ela).

Ao final da entrevista, como ela tinha falado que gosta do calor dos brasileiros que estão sempre abraçando e pegando as pessoas e como ela vinha de um País nórdico e frio apenas levantei os braços e disse: Posso? E demos um longo e cálido abraço. Seguido depois por uma foto de rosto colado. Novamente inesquecível. Realmente se fazem poucas mulheres como Liv. Atrizes então não creio que exista igual.