Crítica sobre o filme "Desejo Humano":

Rubens Ewald Filho
Desejo Humano Por Rubens Ewald Filho
| Data: 25/07/2012

Logo depois de ter feito Os Corruptos no mesmo estúdio e com a mesma dupla, Lang repetiu a dose com este também bem-sucedido drama que é uma refilmagem de outro clássico homônimo de Jean Renoir (o francês La Bête humaine, 1938, com Jean Gabin, Simone Simon e Fernand Ledoux, por sua vez inspirado em famoso romance de Emile Zola). O original era mais trágico, de acordo com as ideias naturalistas de seu criador (onde tudo fazia parte de uma família que vai se corrompendo e deteriorando). Mas para o cinema americano da época a mistura de adultério e crime só podia ser liberada sob a áurea de film noir (este usa mais efeitos em claro/escuro do que Corruptos) inclusive na figura de femme fatale de Gloria Grahame (1923-81), uma das mulheres mais sensuais do cinema. Embora, de uma certa altura em diante, ela se torne vítima do marido brutamontes e bêbado (um papel aumentado para Broderick Crawford 1911-86, na vida real também bêbado, mas que naquele momento ainda vivia do prestígio de ter ganhado o Oscar de melhor ator por A Grande Ilusão, de 1949).

Por causa da censura o triângulo amoroso não é bem desenvolvido e o final atenuado, mas ainda assim é bem dirigido e conserva seu fascínio. Glenn Ford (1916-2006) era outro que estava vivendo do prestígio de sua parceria com Rita Hayworth em Gilda (e a Columbia chegou a tentar reunir os dois novamente) enquanto Lang sonhava em Peter Lorre no seu personagem (mas este recusou porque não perdoava como Lang o tratou mal nas filmagens de M, o Maldito). Lang não gostava do título, já que se perguntava: que outro tipo de desejo existe se não é o humano? Mas é um filme enxuto, com muita ferrovia e desejo mais na cabeça que de fato. Traz texto sobre Lang, trailer de cinema.

A maior das femmes fatales: Gloria Grahame

Sempre achei que Gloria Grahame tinha cara de pecado. Desde criança sempre tive fascinação com ela, que para mim muito mais que Marilyn ou Marlene representava a figura da mulher fatal, que leva o homem à ruína, depois de usá-lo sexualmente, de conduzi-lo ao crime e depois ainda traí-lo. Sem arrependimento, Marilyn era vítima dos homens, Marlene Dietrich alemã (É preciso dizer algo mais? Ser cruel com os homens já faz parte de seu DNA).

Mesmo sem ter sido uma grande estrela é curioso como Gloria conseguiu ter um período de sucesso acentuado em Hollywood e ser indicada para Oscars (em 48, por Rancor/Crossfire, de Dmytryk) e depois levar o Oscar de Coadjuvante por Assim Estava Escrito/ The Bad and the Beautiful, 52, de Vincente Minnelli, onde naturalmente faz a esposa adultera de um roteirista). Ela conseguiu mesmo transformar um defeito em sua marca registrada. Achando que tinha os lábios finos demais, ela foi a primeira das atrizes a colocar um silicone no lábio superior, naturalmente com um estranho resultado. Mas que nela funcionava. Embora tenha morrido relativamente cedo, com apenas 57 anos, vítima de câncer e fazendo papéis pequenos e sem importância, ainda teve tempo de se envolver num curioso escândalo.

Gloria foi casada com o diretor Nicholas Ray (que hoje sabemos ser bissexual), que a dirigiu em alguns filmes A Vida Íntima de uma mulher/A Woman´s Secret, 1946, que disfarça ser lesbianismo, depois em 1950 em No Silencio de uma Cidade/In a Lonely Place, com Bogart (hoje considerado um clássico noir). Ficaram casados de 1948 a 1952 e tiveram um filho. O escandaloso é que mais tarde ela viria a se casar com o enteado, filho de Nicholas, que é o ator, produtor e diretor assistente Anthony Ray e o casamento durou bastante (de 60 na 74 e tiveram mais 2 filhos!). Foi também casada com o ator e roteirista Stanley Clements (de 45 a 48) e o agente e produtor Cy Howard (de 54 a 57, outro filho).

Outro detalhe curioso: contam que ela descendia de realeza. A família do pai descendia do Rei Edward III através de John of Gaunt e a família da mãe dos Reis escoceses de Hebrides. O avô de Gloria Reinald Francis Hallward foi quem deu a Oscar Wilde a história para O Retrato de Dorian Gray. A mãe Jean MacDougall era atriz do palco como Jean Grahame e depois foi coach (professora de interpretação).

O pai Michaedl Hallward era decorador, arquiteto e escritor. Gloria como todas as atrizes mentia a idade, durante a carreira dizia ter nascido em 25 e não 23. Outra surpresa: seu ar de mistério e descaso devia-se ao fato também de ser míope! Olhar tudo como se não visse nada! Embora fosse completamente nula como cantora, estrelou no cinema o musical Oklahoma! (55) para Fred Zinnemann, porque era perfeita para o personagem da namoradeira Ado Annie. O jeito foi gravar tudo nota a nota e depois juntar (o resultado é bem razoável, mas deu incrível trabalho, já que na época não tinha os recursos técnicos atuais).

Nascida em Los Angeles, a princípio não tinha interesse em representar, mas foi chamada para um show Good Night Ladies, fez algumas peças na Broadway onde em 1944 foi descoberta por um agente da MGM. Que lhe ofereceu um contrato ganhando 250 dólares por semana. Seu primeiro filme foi Paixão de Outono/Blonde Fever, em 1944,seguido por dois papéis maiores e importantes, ao lado de Hepburn e Tracy em Without Love/Sem Amor e no clássico A Felicidade Não Se Compra /It´s a Wonderful Life, 1946, sobre a garota que sem James Stewart se torna prostituta! Fez ainda no estúdio, Aconteceu Assim/It Happened in Brookly, 1947, com Sinatra, Encontre-me em Hollywood/Merton of the Movies, com Red Skelton, 1947, e A Canção dos Acusados (Song of Thin Man, com Myrna Loy, também de 1947).

Seu tipo, porém, não se encaixava no padrão romântico e familiar da Metro e seu contrato foi repassado para a RKO, onde ela fez Rancor e os trabalhos com Ray dessa fase tem também um bom faroeste de Mark Robson (Viagem Sangrenta/Roughshod, 1948) e logo depois uma participação marcante do vencedor do Oscar de Melhor Filme do Ano, O Maior Espetaculo da Terra, de Cecil B. DeMille (ninguém a esquece como a garota do elefante!). Sua mistura de malícia, voz sensual e senso de humor voltaram a funcionar nos filmes seguintes, Macao (outro que Ray pôs a mão), Precipícios D´Alma/ Sudden Fear, com Joan Crawford, e naturalmente o Oscar por Assim Estava Escrito.

A fase boa durou apenas nos anos 50, incluindo Muralhas da Esperança /The Glass Wall, 1953,com Vittorio Gassman,Os Saltimbancos/ Man on a Tightrope, de Elia Kazan, 1953, Os Corruptos e Desejo Humano, ambos de Lang, o fraquíssimo Os Prisioneiros do Casbah (com Turhan Bey, 1953), os britânicos Os Bons Morrem Cedo (The Good Die Young, de Lewis Gilbert) e O Homem que Nunca Existiu (The Man Who Never Was, de Ronald Neame, 1956), Fúria Assassina/ Naked Alibi, de Jerry Hopper, Não Serás um Estranho /Not as a Stranger, 1955, de Stanley Kramer, com Robert Mitchum, Paixões sem Freio (The Cobweb, de Minnelli, 1955), o fraco faroeste A Lei do Oeste (Ride Out for Revenge), de Bernard Girard e o último da década Homens em Fúria (Odds Against Tomorrow, 1959 de Robert Wise).

Não se sabe bem por que, mas Gloria se desinteressou da carreira. Dali em diante fez aparições em séries de teve, pontas em alguns filmes (Chandler, 1971, Melvin e Howard, 1980, e bobagens como o último e inédito aqui Tarot, 1986). Passou seus últimos dias em Liverpool na casa de um amigo diretor Peter Turner viajando apenas para morrer em Nova York. Gloria dizia: “Não era o jeito que eu olhava para um homem, era o que eu estava pensando na hora. A vida é cheia de picos e vales. É sempre uma corrida contra o tempo. Não acho que a vida melhora quando o corpo da gente começa a se despedaçar.”