Crítica sobre o filme "Vinhas da Ira":

Rubens Ewald Filho
Vinhas da Ira Por Rubens Ewald Filho
| Data: 02/07/2012

Certamente um dos filmes mais corajosos e sociais já realizados pelo cinema americano. Vencedor dos Oscars de Melhor Direção para John Ford e Melhor Atriz Coadjuvante para Jane Darwell, que interpreta o papel marcante da mãe (Jane teria uma longa carreira que só se encerraria como a mulher dos pássaros de Mary Poppins), só conseguiu ser realizado pela Fox, apesar da oposição de bancos e financistas que achavam que o tema era comunista, graças ao prestígio pessoal de Ford e a insistência do chefe da Fox, Darryl F. Zanuck, que o rodou com outro título Highway 66, só para despistar. Foi indicado também para os Oscars de Melhor Ator (Fonda), Filme, Montagem, Som e Roteiro (Nunnally Johnson, depois também prestigioso diretor).

Na verdade, Zanuck teve a sorte de que o presidente do banco que era o maior acionista da Fox, o Chase National Bank (junto com sua esposa), era o maior fã do livro. Foi a consagração do escritor John Steinbeck (1902-68), que hoje está injustamente esquecido, mas era um escritor brilhante. Já tinha publicado antes Boêmios Errantes (Tortilla Flat) e De Ratos e Homens (Of Mice and Men) e posteriormente outros livros que dariam filmes famosos como Vidas Amargas (com James Dean, baseado em A Leste do Eden), O Ponei Vermelho, The Wayward Bus, Noite sem Lua (Moon is Down), Lifeboat /Um Barco e Nove Destinos, de Hitchcock, A Pérola e o roteiro original de Viva Zapata! para Elia Kazan. Ele não era comunista, mas foi acusado de ser por causa deste livro, na verdade influenciado por sua mulher ativista de quem se livrou depois para se casar com uma cantora. Eventualmente ganhou o Pulitzer e o Prêmio Nobel de Literatura (ficou muito magoado quando o New York Times publicou que havia outros que mereciam mais). Mas é popular e parece que este livro Vinhas da Ira até hoje vende 150 mil exemplares por ano.

É muito curioso que o filme tenha sido feito por um grande estúdio quando houve um esforço para que isso não acontecesse, inclusive pelo reacionário Louis B. Mayer, chefe da MGM e o autocensura dos estúdios. Embora Darryl F. Zanuck, um dos donos e chefe da 20th Century Fox fosse republicano e contra o trabalhismo (tradicionalmente os estúdios brigaram contra os sindicatos e sindicalização), ele conhecia e entendia de dramaturgia e era capaz de reconhecer uma boa história , ainda mais quando o livro saiu e foi imediatamente um enorme sucesso de vendas. Steinbeck o escreveu em apenas 5 meses e em 850 páginas! A editora quis censurar, mas o máximo foi aceitar a redução de certos palavrões, mas não mexeu na trama e no texto. Darryl F. Zanuck pagou US$100.000 pelos direitos (uma soma ainda hoje considerada boa pela opção). Steinbeck exigiu uma obrigação que seria a de que os realizadores teriam que respeitar o material e tratá-lo com reverência. O que é muito vago! A adaptação foi feita pelo experiente Nunnally Johnson (Como Era Verde o Meu Vale) que manteve a estrutura com algumas diferenças. No livro é o oposto do filme, primeiro eles encontram o acampamento bem estruturado e depois o violento e perigoso, assim na tela pode dar a impressão de que as coisas estariam melhorando. Na verdade, só a Segunda Guerra Mundial e a corrida industrial é que ajudaria o Presidente Roosevelt a dar prosperidade novamente aos Estados Unidos. A modificação maior foi com a sequência final, quando eles escapam de enchente e vão parar num estábulo abandonado, onde Rosasham dá a luz a uma criança natimorta, mas socorre um homem desconhecido e faminto deixando ele tomar leite de seu seio (um cena que me impressionou muito quando li o livro ainda muito jovem mas que não puseram no filme). Rosaham é feita no filme por Dorris Bowden, que na vida real era casada com o roteirista Johnson.

Originalmente o filme terminava com Fonda, ou seja, o filho Tom Joad caminhando no contra luz do céu seguindo sua missão de ativista. Mas Zanuck insistiu para que tivesse outra conclusão, aproveitando uma fala que estava também no livro, onde a família vai com o velho carro deles por uma estrada e a mãe faz um discurso inesquecível e que nos anúncios brasileiros fazia parte do cartaz. Ela dizia: “A gente rica vem e morre. E seus filhos não prestam. Também acabam morrendo. Mas nós continuamos. Nós somos o povo que vive. Eles não podem nos vencer. Continuaremos para sempre pai, porque nós somos o povo”. E termina epicamente aí. Curiosamente esta cena foi dirigida pelo próprio Zanuck, já que o diretor Ford já tinha partido de férias. Mas com o consentimento dele, porque tinha toda a confiança no talento deste, o único produtor e chefe de estúdio que até o fim da vida Ford dizia que era inteligente e competente. Durante a filmagem, os scripts eram recolhidos a cada noite e o set protegido por guardas para evitar sabotagem e vazamento de informações. E para evitar problemas, todos fizeram questão de dizer que a fita era apolítica e não um documento social.

Zanuck havia desejado Don Ameche ou Tyrone Power para os papéis centrais, mas Henry Fonda foi imposto por Ford, que era seu amigo, e teve seu melhor momento no cinema com este filme. Mas pouco um preço alto. A Fox exigiu que para lhe dar o papel, Fonda teria que assinar um contrato de 7 anos com o estúdio. Com relutância ele aceitou e a Fox com frequência o emprestou a outros projetos para satisfazê-lo.

Foi realmente um ato de coragem fazer em 1940 um filme do livro Vinhas da Ira, sem trair seu espírito (não tinha me dado conta antes de que o título original era tirado de uma frase da celebre canção The Battle Hymm of the Republic). O sucesso se deve primeiro ao prestígio e competência de John Ford (demonstrando que ele não só sabia fazer faroestes) e também a excelência do fotógrafo Gregg Toland, o mesmo de Cidadão Kane, que pode ser considerado o melhor do mundo. Tratar do problema dos bóia-frias, naquele momento em que o mundo entrava em guerra, os Estados Unidos se esforçavam para ficar neutro e a Depressão ainda era muito próxima foi um trabalho de excepcional audácia. Embora realmente fujam do obviamente político, o filme não esconde a presença de agitadores comunistas (sem usar esse nome) e toda sua mensagem final é sem dúvida populista e de esquerda. Principalmente na figura do agitador interpretado por John Carradine, o ilustre ator que daria início a uma famosa dinastia de atores, com os filhos Keith, David e Robert, além da neta Martha Plimpton seguindo os seus passos. A discrição de Henry Fonda ajuda muito a segurar a narrativa enquanto a família vai se esfacelando diante da realidade da falta de trabalho, abusos de autoridade e simples injustiças.

O filme foi rodado em apenas sete semanas e John Steinbeck adorou o resultado dizendo que Henry Fonda tinha feito ele acreditar em seu próprio texto. John Ford proibiu toda maquiagem e perfume do set dizendo que interferia com o tom do filme. Antes da filmagem, o produtor Darryl F. Zanuck mandou detetives investigarem os campos de migrantes para confirmar se Steinbeck tinha exagerado na pobreza e injustiça. E se assustou quando descobriu que eram ainda piores do que mostrava o livro.

A beleza da fotografia em preto e branco de uma certa maneira suaviza a dureza dos diálogos e situações dando-lhes certa poesia (como na sequência inicial onde ele caminha solitário para uma estrada). Fonda nunca esteve melhor do que na cena onde ele explica seu trabalho para a mãe, uma sequência que foi realizada numa única tomada, até porque Ford não gostava de ensaiar ou repetir cenas. Ele diz: “Eu estarei no escuro, estarei em toda parte. Para onde olhar, onde houver uma luta para que os famintos possam comer, eu estarei lá. Onde um policial estiver batendo num sujeito. Estarei gritando da maneira em que garotos gritam quando estão com raiva e famintos e percebem que outros estão comendo o que ele plantou e morando nas casas que ele construiu. Eu também estarei lá”.

O importante é registrar que sem a presença e autoridade de John Ford, nacionalista de quatro costados e anticomunista assumido, o filme não poderia ter sido feito (uma das razões porque aceitou é que a luta deles lhe fez lembrar os problemas de sua própria família de irlandês que tiveram que fugir da fome na Irlanda, na chamada crise da batata). Ford levou um Oscar e até hoje mantém o recorde da categoria! Mesmo assim quando veio o McCarthismo e a caça às bruxas, tanto John Steinbeck quanto Ford chegaram a ser investigados pelo Congresso.

Quando saiu o livro banqueiros e corporações que controlavam as plantações da Califórnia tentaram bani-la e o livro chegou a ser proibido na cidade natal do autor, Salinas (onde só foi liberado na década de 90!). A Associação dos Fazendeiros da Califórnia pediu o boicote de todos os filmes da Fox e Steinbeck sofreu ameaças de morte.

Vinhas da Ira foi votado em sétimo lugar pelo American Film Institute como um dos filmes mais inspiradores e em vigésimo terceiro na lista dos melhores de todos os tempos.

Vejam que irônico: foi banido na União Soviética por Stalin em 1940 porque mostrava que até os americanos mais pobres conseguiam ter um carro!