Crítica sobre o filme "Sangue Sobre a Ãndia":

Rubens Ewald Filho
Sangue Sobre a Ãndia Por Rubens Ewald Filho
| Data: 10/07/2012

Esta era uma das minhas aventuras prediletas quando eu era bem criança e por causa disso foi que importei este Blu-ray, na esperança de reprisar as emoções que tive quando pequeno.

Agora a cópia foi digitalmente restaurada (o filme chegou a sair em DVD no Brasil mas a cópia tinha sua cor desmaiada), há bastante nitidez, mas o problema é semelhante a com outros filmes antigos. É principalmente quando eles tiveram que usar efeitos especiais daquela época que os truques ficam evidentes e estragam o envolvimento.

Isso sucede principalmente na sequência em que o trem tem que atravessar uma ponta semi destruída que ameaça cair a qualquer instante. Não convence nada quando eles tentam atravessar a ponte a pé (e se percebe claramente a back-projection, ou seja, demonstrando que foi tudo feito em estúdio no caso o Pinewood). Depois quando corta para a locomotiva da para sacar que é uma miniatura.

Infelizmente o úublico de hoje não aceita mais esse tipo de truque e isso deve derrubar o filme para os mais jovens. Fora disso, é preciso admitir a competência na direção do pouco reconhecido britânico J. Lee Thompson (1914-2002) em sua melhor fase, pouco antes de seu primeiro grande sucesso Os Canhões de Navarone (The Guns of Navarone, 1961).

Thompson também fez outros bons filmes como O Círculo do Medo, dois do Planeta dos Macacos (Batalha e Conquista). Ele imprime energia e suspense a todas as cenas com o trem, fazendo questão de usar movimentos de câmera com a grua, sempre subindo e descendo, ou correndo paralelos pelos cavaleiros cavalgando ou os soldados defendendo o forte.

Essa direção segura ajuda bastante o que seria uma história bastante antiquada e que poderia ser encarada como colonialista (quando foi feita a Grã Bretanha já estava no final de desmantelar o outrora glorioso Império então é permitido questionar algumas coisas e até mesmo satirizar alguns hábitos ingleses). E curiosamente o vilão (melhor dizendo todos os vilões que desejam matar a criança) são fanáticos religiosos mulçumanos, o que sem dúvida torna o filme bem atual.

Totalmente rodado nos desertos da Andaluzia espanhola (hoje a ferrovia que aparece não está mais em funcionamento mas também apareceu em outros filmes como Sol Vermelho, Os Turbantes Vermehos e Sete Pistolas para os McGregor), o filme foi considerado na época o equivalente britânico de um faroeste.

E hoje se percebe isso mais claramente, já que lembra muito No Tempo das Diligências, de John Ford (1939) que mostrava um grupo de pessoas heterogêneas numa diligência que no deserto é atacada pelos índios (aqui indianos), e também incluindo um bebe recém-nascido!

É que o roteirista do filme é Frank Nugent (que escreveu 11 scripts para Ford) e o argumento é de Patrick Ford (que é filho de John Ford) e Will Price (foi seu trabalho derradeiro e era marido de Maureen O`Hara, estrela favorita de Ford).

De qualquer forma, o filme foi bem recebido e chegou a ser indicado para os BFTAs (o Oscar britânico) de melhor filme (perdeu para Ben Hur), roteiro e filme inglês.

Este foi o primeiro filme no exterior de Lauren Bacall (ainda viva), que já se recuperava da morte do marido Humphrey Bogart, em 57 e em 61, iria se casar com um quase sósia dela, Jason Robards. Ela não tinha uma beleza tradicional e de certa maneira ficou melhor quando mais madura. Aqui não tem chance de fazer o que é especialista, usar frases irônicas.

O protagonista do filme é Kenneth More (1914-82), que por uns tempos chegou a ser ástro na Inglaterra, mas nunca pegou no mercado internacional. Não é bonito, nem carismático, mas tem cara de bom sujeito confiável, o que é essencial neste filme.

Esta é sua missão precisa transportar um jovem príncipe (o filme as vezes diz que ele tem cinco anos, às vezes seis) e sua determinada tutora americana (Lauren Bacall) que naturalmente será o interesse romântico, a salvo através de uma área infestada de rebeldes em uma velha locomotiva conduzida por um nativo (feito com humor por um dos mais frequentes atores (e diretor) indiano I. S. Johar (1920-84) que fez filmes como Lawrence da Arábia e Morte sobre o Nilo).

Na fuga são acompanhados por dois ingleses de classe alta (um deles, o típico cavalheiro britânico Wilfrid Hyde-White de My Fair Lady e Eugene Deckers, o comerciante de armas - o que provoca varias discussões sobre a validade de vender armas para qualquer um!).

Há ainda um agressivo jornalista mestiço que é interpretado por Herbert Lom, o vilão da série Pantera Cor de Rosa, e que ainda está vivo e perto dos 100 anos. Essa é a qualidade do filme que não faz apologia do Império, ironizando de forma clara o seu imperialismo e direito de conduzir os indianos.

Mas o legal é a aventura (os conflitos dentro do grupo, a ponte em ruínas que eles precisam atravessar, os ataques-surpresa dos rebeldes, o traidor que quase põe tudo a perder e que ficamos conhecendo 50 minutos antes do final, para criar mais suspense).

Um detalhe curioso: a ação se passa onde hoje existe o Paquistão, e não a Índia. O filme circulou em diversas versões mais reduzidas. Esta é completa e boa diversão.