Este sempre foi meu favorito da trilogia, talvez por ter uma narrativa mais fluída, mais poética e por ser basicamente uma história de amor que não deu certo. Tudo sem muitas explicações. A primeira vez que assistiu quando pré-adolescente, cheguei a retornar em outra sessão para ver entendia melhor a resolução.
Além de mais acessível que os filmes anteriores, este acontece noutra região de Roma, até então praticamente desconhecida pelo cinema, que são os bairros condomínios que começavam a surgir para a classe média alta (com algumas imagens também de Verona para o contraste), naquela altura ainda pouco habitados e desolados, quase uma paisagem lunar (ou de Brasília).
Muito sucinto e objetivo, também é onde Monica Vitti está mais bela, alegre, magra, começando a mostrar um outro lado de sua personalidade que iria predominar depois do seu afastamento do diretor, quando se tornaria comediante, que era sua verdadeira vocação. Hoje fica muito fácil seguir a trajetória de Vittoria (Monica), que começa se separando de um noivo (o espanhol Francisco Rabal), numa dolorosa, mas controlada cena de fim de caso. Nada de explicações das verdadeiras causas, talvez porque eles nem saibam, pode ser o tédio, ou o desgaste.
Antonioni já era moderno nesta maneira de contar uma história (isso tudo hoje é a regra, explicações só em telenovela). Por outro lado, os personagens todos estão sempre muito bem identificados em seu habitat, sua casa/apto (moderno sempre, cuidadosamente decorados).
O melhor amigo é ouvido ao fone, mas não identificado e a vizinha tem uma cena (feita por uma estrelinha da época, a bela, mas não carismática Rossana Rory, que se afastaria do cinema imediatamente depois). A vontade de escapar e fugir fica clara quando visitam outra vizinha, que mora no Quênia perto de um lago e animais selvagens e Vittoria se maquia e veste como uma africana, fazendo gracinhas (uma sequência hoje politicamente incorreta, mas que a própria anfitriã percebe, embora chame os africanos de macacos!).
O filme muda um pouco de tom quando Vittoria vai atrás da mãe, a grande atriz Lilla Brignone, que é viciada em investimentos na Bolsa e totalmente desinteressada dela. É aonde conhece Piero, que opera lá e com quem depois de certa hesitação começa um romance.
O papel é do francês Alain Delon, que deixa claro porque no Brasil virou adjetivo e foi certamente o homem mais bonito do cinema (faz pouco mas está intenso e sedutor). É interessante como o fio da meada não é interrompido por pequenos desvios como quando Vittoria segue um sujeito que perdeu uma fortuna e ela pensa que pode se suicidar! O romance do casal Piero e Vittoria é cheio de alegria, pequenos jogos amorosos e mesmo sensualidade.
O que torna muito mais forte a conclusão. Depois de confirmarem um encontro a noite, nenhum dos dois aparece. Não há explicações, apenas a passagem do tempo no lugar marcado. Gente que chega, gente que vai, gente que passa, o dia que acaba, a noite que vai dominando tudo.
Final perfeitamente adequado para o final da trilogia da incomunicabilidade e tédio (que apenas se agravou e se tornou mais óbvia hoje em dia).
Em cópia restaurada que evidenciada a belissima foto em preto e branco do genial Gianni Di Venanzo (que morreu logo depois de sua obra–prima Fellini Oito e Meio), eu achava que o filme era prejudicado pela falta de química entre a dupla central, Delon e a italiana Vitti (musa e mulher do diretor na época). Mas talvez tenha sido essa justamente a intenção de Antonioni.
Ganhou Prêmio Especial do Júri em Cannes no ano em que O Pagador de Promessas levou a Palma! Amor, solidão, impossibilidade de comunicação entre os casais à moda do diretor. Em um de seus melhores trabalhos (Scorsese o considera o mais ousado da trilogia). Mas sempre de sua maneira lenta, com belos enquadramentos, muitas caminhadas, deixando as conclusões para o espectador.
Ele queria ter colocado nos letreiros do filme estes versos de Dylan Thomas: “Alguma certeza deve, porém, existir, se não a de amar bem, pelo menos a de não amar”.