Crítica sobre o filme "007 Contra Goldfinger":

Rubens Ewald Filho
007 Contra Goldfinger Por Rubens Ewald Filho
| Data: 06/08/2012

Terceiro filme da série e um dos mais memoráveis e favoritos dos fãs, por várias razões: Shirley Eaton, que faz Jill Masterson, morre coberta por uma camada de ouro que não deixa os poros respirarem; Honor Blackman como a misteriosa Pussy Galore; Sakata com seu chapéu assassino no papel de Oddjob - capanga de Goldfinger; a primeira aparição do carro Aston Martin como o veículo de Bond; a primeira aparição de Q na pele de Desmond Lewellyn, que teria memorável presença na série (curiosamente já tinha feito outro papel em Moscou contra 007). Goldfinger também é o único vilão da série com Connery que não tem relação com Ernst Stavro Blofeld ou sua organização SPECTRE (SPecial Executive for Counter-intelligence, Terrorism, Revenge and Extortion).

Eu nunca tinha revisto o filme desde quando o assisti originalmente, quando ainda era adolescente (e, naturalmente, não era crítico). Reagi como todo mundo na época, que era super fã de 007 (mas se eu revi os anteriores ao menos duas vezes, com este isto não sucedeu). Impossível não se surpreender com várias coisas, principalmente a modéstia de sua produção (falam em U$ 3 milhões, muito pouco para uma renda de U$ 56 milhões em todo o mundo). Mais do que custou junto os dois filmes anteriores. Comecei a revisão de Bond por este (simplesmente porque não achei os outros em casa).

1)  Sean Connery aparece mais magro e menos sarado do que parecia na época (embora ele cubra sua tatuagem no braço do tempo da Marinha, aparece com os pelos no peito, que hoje estão fora de moda e certamente o mandariam raspar). Ele usa já uma ótima peruca que não é escandalosa e uma maquiagem muito pesada, que, no entanto o deixa mais moreno e com as sobrancelhas bem marcadas. Para minha geração, ele foi o verdadeiro James Bond, mas cada uma delas escolheu seu favorito conforme o primeiro Bond que conheceu. Não há como negar que Connery era carismático e vai ficando confiante como ator e macho.

2)  Impressiona mal o começo com o tema de Bond e o herói sendo mostrado por um buraco. Mas está na cara que não é Connery, e ainda por cima o sujeito usa um chapéu horrível e até lenço no bolso do paletó. Depois ele já está saindo de dentro da água (sem ao menos um letreiro ou um plano geral identificando que se trata das Bahamas). Sua missão neste caso é patética, entra em algum lugar que tem que explodir com equipamento de quinta categoria. Abre a porta de maneira inexplicável e nem se vê a explosão porque ele já está numa boate (de estúdio). Tem, porém, um momento que virou clássico: Debaixo da roupa de mergulhador, ele tinha um summer (branco, portanto) de gala e sai todo elegante (na minha lembrança e em sátiras, pensava que se mostrava melhor ele se trocando). Depois ele vai com a mulher para o camarim dela, quando absurdamente vê que vai ser atacado (e apanha um pouco demais) através das pupilas da moça. Acaba jogando o inimigo numa banheira cheia de água onde morrerá eletrocutado (e faz a piada; isso é chocante, que certamente depois influenciou todo gênero, todo filme de ação de Schwarzenegger ou Bruce Willis, que entraram na onda dos engraçadinhos). Sem dúvida, o pior dos prólogos da série (até agora). Outras piadinhas com bananas e complexo de inferioridade não funcionam.

3)   Em compensação, os letreiros, sempre um ponto forte, são ótimos, com projeção de cenas em cima de corpos e rostos dourados. Um arraso! Ajudado pela música tema de John Barry com letra do ator Anthony Newley e o famoso Leslie Bricusse, cantada por Shirley Bassey. Daquelas coisas sem explicação, a música pega na gente e não larga nunca mais.

4)  A história desta vez é sólida e fácil de seguir: tem um bandido planejando um crime e James Bond procura impedí-lo. Como sempre, tem um encontro com M (que lhe dá uma bronca) e flerta com a secretaria Miss Moneypenny (Lois Maxwell, veterana atriz inglesa que com o papel teve sua maior glória). Corta para o famoso hotel de Miami Beach, o Fontainebleu, na piscina, e começam os planos feitos em estúdio com projeção de fundo, um recurso que Hollywood usava e abusava e que hoje fica evidente demais e incomoda. Felizmente nesta aventura não são tantas. Connery não estava lá porque rodava Marnie com Hitchcok.

5)  De qualquer forma, Bond sobe ao apartamento de Goldfinger, que se mostra um pequeno vigarista ao trapacear no Gin Rummy, no jogo, da forma mais primária, com uma cúmplice de binóculo vendo o jogo do adversário. Suponho que a intenção seja humorística e deixo passar. Porque entra em cena e com apenas três cenas a mais bela das Bond Girls, a inglesa loira Shirley Eaton (ainda viva), que era bastante conhecida na época e que faz Jill, não se sabe o que do vilão, e que pagará com a vida a indiscrição com o espião. Ao menos sua morte é das memoráveis da série, o corpo todo coberto de pó de ouro! Uma pena que outras não tenham sido tão criativas. A irmã de Jill fará uma aparição também em busca de vingança, mas a cena é tão escura e mal realizada que seria totalmente dispensável. Um detalhe pitoresco: quando Shirley fala, ela mexe a ponta do nariz! Muito estranho...

6)  Estava esquecendo de mencionar o mais importante. O sucesso deste filme se deve a mulher de ouro e a chegada de Q com seus gadgets modernos que foram instalados no carro Aston Martin, que de agora em diante substituem o Bentley e com muito mais sucesso (tanto que foram depois explorados pelos imitadores até a exaustão). Tudo muito low tech, todos eles serão utilizados na hora certa e, apesar de meio antiquados, ainda mantém seu charme (outra cena porém desnecessária é a corrida pelos Alpes com uma mulher bonita que passa batido).

7)   Nesta altura já passamos pelos clichês, Bond já disse seu nome, já tomou champanhe Don Perignon (elogiando a safra), já pediu seu Martini (shaken not stirred), esteve no avião onde está prisioneiro de coreanos (são os vilões por trás de Goldfinger, afinal de contas os roteiristas não estavam tão errados!) e entrou em cena outro personagem muito famoso mas que, na verdade, faz muito pouco, a Pussy Galore (na verdade, poucos entendem a brincadeira. Pussy em inglês quer dizer o nome do órgão sexual feminino e Galore seria "muitos", uma enxurrada delas). Isso explica porque Bond faz um sorriso maroto e porque dá em cima dela, que muda de lado muito rapidamente para convencer, e também luta muito mal na única cena de ação entre os dois até o final. A atriz era outra veterana do cinema inglês que nunca deu certo nem antes nem depois do filme.

8)  Falou-se muito da cena de quase tortura, quando Bond é colocado de forma que um raio laser em chamas (!) ameaça sua masculinidade e sua vida. Mas a cena hoje resulta muito rápida, com pouco suspense, e Goldfinger muda de ideia muito rápido, poupando sua vida só porque está no script. No episódio You Only Move Twice, da 8ª temporada de Os Simpsons, a sequência do laser é parodiada quando o vilão Scorpio ameaça matar o espião Sr.Bont, reproduzindo inclusive as falas (“Do you expect me to talk? No, Mr. Bont, I expect you to die”). Depois da viagem de avião, Bond será colocado numa prisão muito mal falseada, parece pior que filme brasileiro.

9)  Também ficou muito famoso o Oddjob (Harold Sakata), que é um tipo de personagem que o público adora, tanto que depois veio o Jaws, o invencível quase mudo (aqui totalmente). Este oriental joga um chapéu assassino que corta cabeça de estátuas, mas, vista hoje, sua ação é anticlimática e bem pior do que nos lembrávamos. Idem para a invasão do Fort Knox (se for tão fácil invadí-lo, eles estão mal arranjados) e até mesmo para o avião que está caindo e mergulha (uma inconvincente miniatura) no mar.

10)       Uma coisa que eu sempre gostei da série foi esperar pelo fim dos letreiros para ver qual seria a próxima aventura, neste caso Thunderball (007 Contra a Chantagem Atômica). Antes de Avengers, a gente já fazia isso, se bem que os letreiros de então eram infinitamente mais curtos do que os intermináveis de atualmente. O curioso é que originalmente o filme chamado era A Serviço Secreto de sua Majestade, e algumas cópias antigas ainda trazem esse teaser (mudaram porque tinham problemas de produção com este). Curiosamente, Peter Hunt, que é diretor de 2ª unidade em Goldfinger, dirige anos depois 007 A Serviço Secreto de Sua Majestade, com George Lazenby.Trivia

Theodore Bikel e Titos Vandis foram testados para serem Goldfinger, e as imagens podem ser vistas no DVD Ultimate Edition. Embora tenha locações nos EUA, Sean Connery nunca foi lá, rodou tudo na Inglaterra e nos estúdios de Pinewood. Connery machucou suas costas na luta com Oddjob em Fort Knox. Isso atrasou as filmagens e ele usou o incidente para conseguir um melhor contrato com os produtores para o próximo filme. A Aston Martin estava relutante em emprestar dois carros para a produção, no caso um protótipo Aston Martin DB5, que pagar por eles. Mas dali em diante nunca mais. Eles que tiveram que pagar o merchandising. Dizem que esta foi a primeira aparição de um raio laser num filme. No script, era apenas uma serra elétrica (como no livro).

Goldfinger usa amarelo ou variante em todas as cenas (ou tem revólver dourado). Gert Fröbe foi escolhido depois que os produtores o viram num filme alemão, It Happened in Broad Daylight, onde fez um serial killer. Curiosamente, Gert Fröbe também atua em O Calhambeque Mágico (Chitty Chitty Bang Bang) de 1968, filme infantil baseado em obra de Ian Fleming, que escreveu a história para seu filho.

A Ford emprestou o Continental, mas em troca quis que usassem o novo Ford Mustang na montanha Suíça. O carro escolhido originalmente não era um Aston, mas um E-Type Jaguar, mas a firma recusou. A porta do cofre de Fort Knox está localizada em Bank of the West em Los Altos, Califórnia.

Goldfinger foi adaptado como quadrinhos e publicado na Inglaterra pelo Daily Express de 1960 a abril de 1961. Foi reproduzido depois em 2004. Para o vilão, o autor Ian Fleming inspirou-se parcialmente no controvertido arquiteto modernista Erno Goldfinger. Este ameaçou processar Fleming, que respondeu dizendo que mudaria o nome do vilão para Goldprick. O caso foi resolvido com um acordo.

Os produtores queriam Honor Blackman para Pussy Galore, e para isso usaram sua habilidade (?) de lutar judô no script. No livro, ela é uma lésbica, e por isso que recusa Bond inicialmente. Foi inspirada numa vizinha de Fleming, e ocasional amante, Blanche Blackwell. O Pussy teria sido inspirado em 1) a agente Pussy Deakin, também chamada Livia Stela. 2) o polvo de estimação de Fleming, que também inspirou outro livro e filme: Octopussy. 3) Octopussy também era o nome de joia que ele ganhou de Blanche Blackwell. Honor Blackman era a atriz mais velha que foi Bond Girl, então com 37 anos. A trilha em LP do filme chegou ao primeiro lugar nos EUA, ficando neste posto por três semanas. Nadja Regin (Bonita, a dançarina de nightclub) anteriormente apareceu em Moscou contra 007 como a garota de Kerim Bey. Gert Fröbe falava mal o inglês e por isso foi dublado por Michael Collins. Ele falou em cena em alemão muito rapidamente a pedido do diretor.

Apesar de ninguém ter podido visitar o verdadeiro Fort Knox o resultado foi considerado muito fiel e a produção chegou a receber carta do controller do lugar elogiando-os. O produtor Broccolli considerava, este, O Espião que Me Amava e Moscou contra 007 como seus favoritos da série. Como devem ter percebido, o nome do vilão, Auric, vem do latim, onde quer dizer ouro. Fleming visitou o set de filmagem em abril de 64. Mas tristemente morreu menos de um mês antes do filme estrear, em 12 de agosto de 1964. Terence Young, diretor dos dois primeiros filmes de James Bond, chegou a fazer a pré-produção deste filme e os primeiros roteiros, mas largou o projeto por questões de dinheiro! Este filme ganhou o primeiro Oscar para James Bond: melhor efeitos especiais (como a estatueta é banhada a ouro, parece apropriada por um filme chamado Goldfinger). O filme pagou seus custos de produção em apenas duas semanas.

Os produtores queriam Orson Welles para ser Goldfinger, mas ele ia sair caro demais. As cenas de golfe foram rodadas em Stoke Poges Golf Club, perto do estúdio de Pinewood. Dizem que foi aqui que Sean Connery se interessou pelo jogo que hoje absorve todo seu tempo.

Jack Lord foi consultado a retornar como o agente da CIA Felix Leiter, que fez em Dr. No, mas recusou. Foi substituído por Cec Linder, mas em outros episódios houve outros atores no papel (entre eles, David Hedison e Jeffrey Wright).

A canção título foi a primeira de três interpretadas por Shirley Bassey nos filmes de Bond. As outras foram em Diamonds Are Forever e Moonraker. O papel de Oddjob foi a estreia do levantador de peso japonês e campeão de luta livre Harold Sakata. Dali em diante, faria vários filmes. Steven Spielberg afirma que este é seu favorito dos filmes de Bond e chega a ser um dono de um carro Aston Martin DB5 (e este aparece em Prenda-me se for Capaz).

Shirley Eaton foi dublada por Nikki Van der Zyl. O merchandising neste filme inclui Aston Martin DB5; Dom Perignon Champagne, em especial a ´53; relógios Rolex e o Submariner; Kentucky Fried Chicken; e brinquedos Corgi Toys. Sean Connery, que era na época casado com Diane Cilento, usou no filme uma bandagem cor de carne que cobre sua aliança de casamento. Foi o primeiro de Bond com canção (aliás produzida por George Martin, dos Beatles) nos letreiros de apresentação (em Moscou Contra 007, era nos finais). A cena de luta dentro do jato de Goldfinger era originalmente mais longa, incluindo o vilão e seus capangas. Eles ainda podem ser vistos quando Goldfinger entra na cabine. No livro, Oddjob é sugado pela janela e Goldfinger é estrangulado por Bond. O famoso diretor Garry Marshall, de Pretty Woman, faz figuração como um dos gangsters americanos que ouvem sobre o "Projeto Grand Slam". Número de mortes no filme: 62. O filme foi proibido em Israel por muitos anos porque Gert Fröbe revelou que havia sido membro do Partido Nazista. Isso só foi mudado quando surgiu uma família judia que contou que ele os havia protegido durante a Segunda Guerra Mundial. Ian Fleming usou no livro a ideia de que alguém morre sufocado se tem o corpo todo coberto de pintura, que aproveitou do filme de terror Asilo Sinistro/Bedlam (46), com Boris Karloff. Shirley Eaton passava duas horas na maquiagem e com um médico no set para prevenir algum problema. Tudo feito muito rápido. Quando o filme estreou correu o boato de que ela teria morrido (o que, claro, não era verdade). Já se sabe hoje que a pintura dourada não mata, é lenda urbana. É incorreta a ideia de que a respiração ocorre através da pele, o que já se sabia desde a Idade Média. No livro, Goldfinger quer apenas roubar o ouro, não tem a história da radioatividade. A bomba deveria interromper aos 003 segundos, mas acharam mais bonitinho se fosse aos 007, como está no filme!