Crítica sobre o filme "História de Amor e Fúria, Uma":

Rubens Ewald Filho
História de Amor e Fúria, Uma Por Rubens Ewald Filho
| Data: 11/04/2013

É interessante este filme de animação que tomou certas opções no mínimo curiosas. Por exemplo, em vez de se endereçar ao público infantil que o teria garantido melhor bilheteria preferiu manter um teor político (que o faz escorregar em algumas banalidades, em cenas de violência desnecessárias a não ser por fazer lembrar similares japoneses), alternando frases “lugar comum” com outras ainda oportunas (como a final, “viver sem conhecer o passado é viver no escuro”). Naturalmente a animação é daquele estilo televisão do He-Man de vinte anos atrás, ou seja, com visual atraente e mesmo bonito, mas animação bem desanimada, com poucos recursos. (no cinema que assisti também o som do áudio dos dubladores estava muito baixo, tive dificuldade de entender o que falavam, embora a presença de Rodrigo Santoro seja apenas de ator convidado, para prestigiar o projeto).

A proposta é contar de forma mítica (assim o narrador e herói é um homem que vive 6000 anos, aparentemente como um pássaro mágico que de vez em quando reencarna para poder tentar reencontrar sua amada Janaina). Como a ideia é mostrar que a vida é luta e assim mexer com os brios do notoriamente preguiçoso e conformista povo brasileiro, não foi fácil encontrar na história brasileira exemplos de luta e coragem. Começa na época da colonização com um índio tupinambá (Selton) que se envolve no conflito entre portugueses e os colegas nativos que preferem defender o invasor francês Villegaignon e por isso são praticamente exterminados. A motivação é sempre o amor da mesma mulher (Camila).Depois dá-se um pulo para 1825, no Maranhão quando um fabricante de balaios ajuda a revolução dos escravos negros que viviam em quilombos e eventualmente são derrotados pelo futuro Duque de Caxias (que o narrador trata com a vida ironia para depois acentuar que nunca se deu bem com os que viram estatuas). 

O próximo pulo é o que mais me incomoda, porque mitifica a luta dos guerrilheiros na época da ditadura militar (1968, novamente no Rio que seria o foco do filme). O casal se reencontra (mas o filme esquece que hoje guerrilheiro é semelhante a terrorista, que carrega portanto uma insuportável atitude), mas a história novamente termina mal e de forma discutível (há uma longa e desagradável sequência de tortura e o herói denúncia os colegas e por isso é desprezado por eles, coisa também polêmica. Já que os antigos guerrilheiros quando um era preso mudavam de esconderijo rapidamente porque sabiam que ninguém suporta a tortura. No máximo ganhavam tempo para a fuga!). Enfim, querem dizer forçando a barra que os descendentes dos que fogem dos quilombos geraram depois os cangaceiros e que os traficantes de drogas nos morros do rio nos anos 70 seriam os novos rebeldes e portanto heróis)! 

Felizmente acontece um novo pulo e vamos para 2096 quando o Rio de Janeiro do futuro está nas mãos de grandes indústrias da água e uma nova copa do Mundo. Mais estilizado e mais fácil de se identificar é o mesmo herói de sempre agora na pele de um jornalista que resolve se revoltar contra o big business e está apaixonado por uma prostituta que também é outra guerrilheira. 

De qualquer forma e acho isso uma pena, o filme não é indicado para crianças nem cabeças ainda não formadas. Poderia render discussões em salas de aula, mas vai esbarrar no que denúncia, a suprema ignorância que as pessoas tem de nossa história (ainda mais agora quando a matéria deve ser cortada do atual curriculum!!!) . Na verdade, só isso já o credencia e torna importante.