Crítica sobre o filme "Comédias Clássicas: Irene, a Teimosa, Os Pecados de Theodora, Indiscrição, O Diabo e a Mulher":

Rubens Ewald Filho
Comédias Clássicas: Irene, a Teimosa, Os Pecados de Theodora, Indiscrição, O Diabo e a Mulher Por Rubens Ewald Filho
| Data: 25/03/2019

Irene a Teimosa ****

Os americanos chamam este tipo de comédia de “screwball”. Não há uma tradução exata, o mais próximo seria maluca. Mas não passa exatamente o sentido desse tipo de fita típica de sua época, os anos 30, em que todo os Estados Unidos estavam em uma grande Depressão econômica e o cinema era a diversão mais barata e importante. As pessoas procuravam as salas para se divertirem e esquecer o presente. Assim que floresceram essas comédias sobre herdeiras excêntricas, casas luxuosas, vidas sofisticadas e vagabundos que subiam na vida. Irene é um dos melhores exemplos do gênero. É uma comédia sim, mas não vulgar ou grosseira como as de atualmente. Tudo tem um clima buliçoso, sofisticado, quase como uma borbulha de champanhe que faz cosquinha no nariz. Numa fita dessas, mais importante do que a história, é o timing da interpretação, o tempo em que os atores dizem as falas. William Powell veterano do cinema mudo faz o mordomo de uma família de novos ricos meio malucos e que esconde um segredo, ele já foi rico e perdeu tudo. O milionário Eugene Pallette tem duas filhas, a morena e sensual Gail Patrick e a loira e esquisita Carole Lombard. Só que ela é que vai dar em cima do mordomo. O ritmo da narrativa não é tão eletrizante quanto hoje em dia, os cenários são deliberadamente artificiais, mas é um exemplo de Hollywood na sua melhor forma, criando um mundo original, de pura fantasia, onde as pessoas são ricas e infelizes, mas o amor até existe. E os dois grandes atores, William Powell (1892-1984) e Carole Lombard provam mais uma vez que para fazer rir não é preciso fazer caretas nem micagens. Carole Lombard (1908-42) era casada com um famoso astro de Hollywood Clark Gable quando morreu num desastre de aviação vendendo bônus de guerra. Com ela, desapareceu esse estilo de humor. 

O Diabo e a Mulher ***1/2

Não faça confusão, nós vamos falar em The Devil and Miss Jones, um filme de 1941, estrelado por Jean Arthur e não de sua famosa paródia pornográfica The Devil in Miss Jones, de 73, com Georgina Spelvin, considerado por muita gente como a obra-prima do gênero. Na verdade, a semelhança está apenas no nome, já que a nossa fita é uma comédia leve que já no princípio faz questão de informar seu propósito único de divertir. É uma desculpa porque o filme, na verdade, tem um certo ar das fitas de Frank Capra, mexendo com assuntos como sindicalismo e luta de classes. Mas tudo de maneira superficial e populista, mesmo porque o diretor Sam Wood era famoso por suas posições de direita. Escrito por Norman Krasna, que por seu trabalho foi indicado ao Oscar, o filme conta as aventuras de uma certa miss Jones, feita por Jean Arthur que foi justamente heroína de várias fitas de Capra, que é uma vendedora de sapatos de um grande magazine e que acaba ajudando um novo empregado, um senhor de certo idade sem desconfiar que ele é um dos homens mais ricos do mundo e dono daquela própria loja e que está ali num serviço de espionagem para acabar com o movimento sindical. O papel é feito por Charles Coburn, que aliás por este filme teve uma indicação ao Oscar de coadjuvante, que por sinal ganharia dois anos depois por Original Pecado (The More the Merrier). Outra semelhança com as fitas de Capra é seu elenco, repleto de figuras adoráveis como o austríaco S. Z Sakall, o velhinho das bochechas simpáticas e que esteve até em Casablanca e Spring Byington, que é parente da atriz brasileira Bianca Byington. E até Edmund Gwenn, que fez Papai Noel em De Ilusão Também se Vive. Jean Arthur como sempre é excelente comediante. Ela se aposentaria depois de Os Brutos Também Amam e viria a falecer em 91, aos 87 anos de idade.

Indiscrição

Barbara Stanwyck

Ela era chamada “A Primeira Dama da Tela”. Foi certamente a mais querida, admirada e elogiada estrela que Hollywood já teve, especialmente pelas equipes de filmagem, que a consideravam uma companheira e amiga.

Foi também a atriz preferida de dois diretores famosos por seu mau humor e temperamento, Cecil B. Mille e o alemão Fritz Lang. O primeiro declarou que ela era a atriz “mais atenciosa, menos temperamental e mais trabalhadora” que trabalhou com ele. Lang afirmou que trabalhar com Barbara foi “um dos maiores prazeres de sua carreira”. Outro diretor famoso, Frank Capra, a dirigiu cinco vezes e foi responsável por transformá-la em estrela nos anos 30, em filmes como O Último Chá do General Yen” e A Mulher Miraculosa. Indicada quatro vezes ao Oscar, por Stella Dallas, mãe Redentora (37), Bola de Fogo (41), Pacto de Sangue (44), Uma Vida por um Fio (48), ganhou um prêmio Especial da Academia em 1981 “pela superlativa criatividade e contribuição para a arte de interpretação no cinema”. Quem lhe entregou o prêmio foi William Holden, que lhe creditou toda sua carreira pela generosidade com quem ela o tratou em seu primeiro filme como astro, Conflito de Duas Almas (39).

É quase impossível encontrar alguém que fale mal dessa interprete confiável e super profissional, que teve uma das carreiras mais longas e respeitadas do cinema americano. Nascida em 1907, com o nome de Ruby Stevens, no Brooklyn de uma família pobre de imigrantes irlandês/escoceses, ficou órfã, foi criada pela irmã mais velha dançarina e começou a trabalhar como vendedora aos 13 anos. Aos 15 já virava corista e estreava na Broadway, onde se tornou estrela em 1926 no show “Burlesque”. Também logo se casou com um comediante famoso Frank Fay (que era alcóolatra) e estreava num filme mudo (Broadway Nights, 27). Seria uma longa carreira de 78 filmes, uma minissérie (Os Pássaros Feridosm 83) e uma série de TV de enorme sucesso (The Big Valley 63-68).

 Barbara era boa em tudo. Não tinha uma beleza clássica, um nariz longo, um queixo pequeno, os dentes um pouco proeminentes lhe davam, porém, individualidade. Sua maior arma era a sinceridade, em tudo que fazia drama ou comédia (entre elas, a clássica As Três Noites de Eva, 41, de Preston Sturges). Mas o público se identificava com ela. Seu nome nunca esteve entre os dez mais de bilheteria (embora tivesse sido a mulher mais bem paga dos EUA em 1944) talvez porque tivesse feito toda sua carreira como freelancer, sem estar contratada por um único estúdio como era praxe da época. Começou fazendo papéis parecidos com os de Joan Crawford, era a jovem pobre que lutava para subir na vida, sempre enganada pelos homens, conquistando à força seu lugar ao sol. Mas era mais vulnerável do que a rival e como Joan e Bette , uma das poucas estrelas da Idade de Ouro de Hollywood que também eram aceitas pelo público como vilãs ou mulheres fatais (como assassina em O Tempo não Apaga , viciada em jogo em A Viciada, neurótica em Uma Vida por um Fio, só para lembrar alguns filmes). Quando ficou velha demais para ser a heroína prolongou a carreira estrelando seu gênero preferido, o faroeste (o primeiro dela a cores foi Califórnia). De sua vida pessoal, ficou a suspeita nunca confirmada de ter sido lésbica, em parte por causa da determinação “masculina” de muitos de seus personagens, em parte porque a imprensa nunca levou a sério um longo casamento que teve com outro astro, Robert Taylor (de 39-51) que aparentava ser mais uma “fachada’ para ambos. O mistério nunca foi resolvido até mesmo com sua morte em 1990, aos 83 anos, em parte por causa do respeito que ela sempre provocou nos colegas e no público. Pode não ser a estrela preferida de sua geração, mas não há quem não aprecie seu trabalho. Em 80 filmes, Barbara nunca deu uma má interpretação. De quantos podemos dizer isso?