Crítica sobre o filme "De Palma":

Rubens Ewald Filho
De Palma Por Rubens Ewald Filho
| Data: 23/11/2016

Antes de Scorsese, de Coppola e mesmo de Spielberg, os críticos tiveram outro queridinho, Brian De Palma, que veio antes e impressionou muito por causa da influencia de outros cineastas, de Godard à Hitchcock, em seu trabalho. E o mais curioso: o público também embarcou nessa, principalmente depois do sucesso de Carrie, a Estranha (1977), que revelou a obra de Stephen King no cinema. Tornou-se especialista em thrillers de suspense, em geral homenageando os filmes de Hitchcock, como a cena do chuveiro em Vestida para Matar, imitação de Psicose, ou Dublê de Corpo, que é uma junção de Janela Indiscreta e Um Corpo que Cai, além de usar Bernard Herrman, colaborador de Hitch, para as trilhas sonoras de seus filmes. Mais curioso ainda: nos anos 70, todos eles eram amigos e compadres, trocando palpites, ajudando nos projetos, até mesmo consumindo drogas juntos. Se outros se tornaram lendas vivas, ainda que mais ou menos aposentados, o único que não deu certo foi justamente o pioneiro deles. Aos 70 anos, está virtualmente desempregado, há anos tentando fazer outra refilmagem de seu ultimo sucesso, Os Intocáveis de 1987.

A explicação pode estar em seu próprio temperamento. Se Spielberg é um crianção, Coppola um bom vivant e Scorsese, o professor de cinema, De Palma criou uma imagem de antipático. Fiquei muito impressionado quando o entrevistei pela primeira vez no Rio, quando veio promover acho que Missão Impossível em 96. Ele me atendeu com poucas palavras e cheio de exigências. Quis que toda a sala fosse esvaziada, não queria ninguém em seu raio de visão e o tempo todo ficou me gravando com uma câmera pequena, dizendo que queria levar uma lembrança da viagem. Logicamente segurar uma câmera não é a melhor maneira de dar respostas inteligentes, que foram frias e burocráticas. Sai com uma certeza: De Palma ao contrário dos seus filmes era um chato.

E logo eu que admirava justamente sua capacidade de me surpreender. O que achava interessante em seus trabalhos era a habilidade com que movimentava a câmera, conduzia o espectador por pistas falsas (como no subestimado Um Tiro no Escuro onde brinca com o público que pensa que está vendo outra brincadeira com a cena do chuveiro de Psicose. Quando na verdade é uma denúncia política de um caso acontecido com Ted Kennedy misturado a Blow Up de Antonioni. Seria o que depois foi chamado de Pós-moderno, pegar emprestado dos outros para reciclar e reinventar. Aproveitando o fato de que o público já é super informado e esperto. Poucos se lembram, mas De Palma começou como cineasta experimental e independente, fazendo filmes contra a Guerra do Vietnã, fortemente influenciados por Godard e estrelados por Robert De Niro (Saudações, 68, Oi, Mãe, 70). Encontrou seu caminho quando resolveu emular Hitchcock em filmes que ainda hoje resistem bem: Irmãs Diabólicas (Sisters, 76), Trágica Obsessão (Obsession,76), além dos já citados  Vestida Para Matar (Dressed to Kill, 80) e Um Tiro na Noite (Blow Out, 81). Mesmo intercalando filmes propositalmente cults como O Fantasma do Paraíso (Phantom of the Paradise, 74) chegou ao delírio absoluto no descontrolado mas hoje cult Scarface (idem,  83, com AI Pacino e Michele Pfeiffer), recordista de uso de cocaína e uso de palavrões.

Mas já era irregular. Para cada Os Intocáveis (87) tinha uma bobagem como Quem Tudo Quer, Tudo Perde (Wise Guys, 86) ou fracasso absoluto como A Fogueira das Vaidades (The Bonfire of the Vanities,90). Acho que essa foi derrapada que Hollywood nunca lhe perdoou. Tom Cruise ainda pediu para ele dirigir seu primeiro Missão Impossível (Mission: Impossible, de 95) e Olhos de Serpente (Snake Eyes, com Nicolas Cage) teve seus momentos. Mas De Palma foi se tornando mais intratável, sendo forçado a procurar trabalho na Europa com Femme Fatale (idem, 2002).

Mas ninguém conseguiu perdoar seu Dália Negra (The Black Dahlia,06) ou a última tentativa de ser vanguarda, rodando em digital Redacted, em 2007, que passou em branco. O grande cineasta hoje está amargurado e solitário, o pior castigo de todos, começou mesmo a ser esquecido. Este é o filme que resgata e pode ser sua reabilitação embora agora pareça aposentado, gordo e feliz.