As Diabólicas ****
Muita gente me conta que às vezes alugam novamente filmes que já assistiram porque se confundiram ou se esqueceram deles e a lembrança só vem quando o filme já está passando. Normal. Ninguém é perfeito e com a falta de exercício mental (também porque agora recorremos ao IMDB para qualquer coisa) a tendência é piorar. Eu também fiz bobagem quando comprei pela Amazon uma edição do filme francês As Diabólicas, achando que era já em Blu Ray, mas se tratava de uma versão já antiga em mero DVD e que mesmo sendo assinada pela célebre Criterion traz uma cópia riscada e em condições medianas (e nenhum dos seus famosos extras). Longe do que esperava, mas foi uma distração minha que me proporcionou a chance de rever o celebre filme de Henry George Clouzot. Agora finalmente a Versátil apresenta a cópia nova do filme ainda que como parte de um boxe junto com cinco outros filmes menores.
Um dos charmes maiores do filme é justamente a presença da brasileira Vera Amado Clouzot. Vera Gibson Amado nasceu em 30 de dezembro de 1913 no Rio de Janeiro. Era filha de Gilberto Amado (1887-1967), deputado, escritor, jornalista, advogado, primo de Jorge Amado, ex-presidente do Comitê de Direito das Nações Unidas e de conhecida família artística (Vera era prima da atriz Camila Amado). Ele esteve envolvido em escândalo porque em 1915 matou o poeta Anibal Theofilo numa cerimônia oficial no Jornal do Comércio porque discordavam (dizem) num assunto literário (ele depois foi julgado e inocentado). Vera era filha de Alice de Rego Barros Gibson e teve um primeiro casamento (com Leo Lapara, em 1938, que era um ator Frances, secretario de Louis Jouvet e que foi quem lhe apresentou Clouzot). Vera se casou com o diretor já famoso (mas sempre polemico) em 1950 e trabalhou como atriz apenas com ele, em três filmes, que foram O Salário do Medo (uma obra prima) onde fez venezuelana (e não usou dublê), este Diabólicas (onde também é rica herdeira venezuelana, Vera falava o francês correntemente e sem sotaque) e fez ainda um ultimo filme chamado Os Espiões (1957). Foi também assistente de Clouzot antes disso no filme Miquette e as Mére. Chegou também a colaborar no roteiro de A Verdade que o marido fez para Brigitte Bardot (60). Morreu de um ataque do coração em 15 de dezembro de 1960, 15 dias antes de completar 47 anos. De um enfarte como o que tem em As Diabólicas. Embora se saiba que o casamento era aberto e o casal experimentasse com sexo, Clouzot não chegou a se casar oficialmente de novo (antes ele teve um caso de 12 anos com a atriz Suzy Delair). Quando ela morreu entrou em profunda depressão e chegou a se mudar para o Taiti.
Um livro de Pierre Boileau e Thomas Narcejac (“Celle Qui n´était plus”), os mesmos autores de Um Corpo que Cai de Hitchcock, foi que deu origem a este suspense clássico do mesmo diretor de Salário do Medo. Foi refilmado depois para a TV (Reflections of Murder, 74, de John Badham com Tuesday Weld e Joan Hackett) e novamente como House of Secrets, 93, de Mimi Leder, com Melissa Gilbert e Bruce Boxleitner e ainda para o cinema (o horrível Diabolique, 96,com Sharon Stone e Isabelle Adjani), mas esta é a melhor delas. Dizem que Hitchcock iria comprar o roteiro, mas que Clouzot conseguiu chegar na frente. Um filme que marcou época e foi por demais imitado (era raridade na época filmes que com reviravoltas, surpresas, final inesperado). Infelizmente hoje você vai resolver o final surpresa com muita facilidade justamente por causa das cópias (e de certa forma, o próprio Psicose tem muito a ver com ele, inclusive na narrativa).
Envelheceu também a maneira de contar a história (embora Clouzot use apenas uma vez a projeção de fundo hoje um recurso muito visível e falso, nas duas vezes em que as duas mulheres dirigem a pequena perua Citroen). Então para o filme funcionar é preciso ser condescendente e colocá-lo na perspectiva histórica. Hoje incomoda ver Paul Meurisse (1912-79) como um marido violento e dominador, já que o ator tem uma cara de gaiato, lembrando até Fernandel e nos faz lembrar que seu maior sucesso foi num personagem cômico, chamado Monocle (Monóculo). Um Jean Gabin ali daria muito mais certo (engraçado ver como na época e na França parece que ate hoje é comum ainda se bater no rosto, estapear como se diz, tanto mulheres quanto crianças). Meurisse simplesmente não é macho suficiente para o papel. Já Vera Clouzot está vestida da forma errada, ela usa trancinhas e se veste como uma camponesa de filme mexicano dos anos 50. Mas tem olhos expressivos e se defende bem, considerando que não tinha grande experiência como atriz num papel muito difícil. Já Simone Signoret (1921-85), interessante e carismática, ainda que encorpada não chega a ter as oportunidades dramáticas que era de se esperar. Também é curiosa a aparição em começo de carreira do grande Michael Serrault, que faz o professor puxa saco e que depois viraria astro principalmente com a trilogia de A Gaiola das Loucas. E de crianças (como alunos do internato) que depois se tornariam famosas como Poujouly (de Brinquedo Proibido, e que teria longa carreira como ator) e o futuro Elvis francês Johnny Hallyday.
Vencedor do prêmio de melhor filme estrangeiro pelos críticos de Nova York e o Prix Louis Delluc, As Diabólicas acabou se tornando um filme cultuado e pai do thriller de suspense, que Hitchcock iria aperfeiçoar. Dizia Clouzot que fez o filme para ele próprio se divertir, como se fosse um conto para a hora de dormir, para assustar uma jovem garota, como segundo ele um jogo de criança. Como Hitch ele tinha desprezo pelos atores (não os considerava gado, mas como um instrumento). Os críticos lembram que a figura mais simpática do filme é no mínimo assassina, que a água aparece como símbolo da pureza, que o diretor realmente fez os atore comer aquele peixe podre da história (Clouzot era famoso por sua crueldade). Sem esquecer que ele passou muitos anos de sua vida entrando e saindo de sanatórios por causa de sua saúde precária! O critico Roger Ebert acha que o personagem do policial Fichet feito por Charles Vanel (que tinha roubado O Salário do Medo, filme anterior do diretor) teria sido a inspiração para o famoso detetive Columbo! Também faz notar um certo ar de depravação naquela escola decadente (a esposa masoquista que aceita os maus tratos e um certo tom de lesbianismo na improvável amizade da esposa com a amante) embora o filme faça questão de terminar até poeticamente, com o menino mentiroso que já insinua um novo mistério.
Ebert também conta uma história famosa: escreveram para Hitchcock reclamando que a filha do sujeito que escreveu tem problemas com banho de banheira desde que ela viu As Diabólicas e que depois de Psicose passou a ter também medo de chuveiros. O que ele devia fazer? Hitchcok aconselhou: mande-a para o dry cleaning (lavagem a seco).
Os Olhos sem Rosto **1/2
Um dos filmes mais bizarros da história do cinema, obra de um documentarista chamado Georges Franju (1912-87), co-fundador com Henri Langlois da lendária Cinemateca Francesa, mas que fez também filmes interessantes raramente exibidos no Brasil. Entre eles, Judex (63), Thomas, Le Inspecteur (65), Therese Desqueiroux (62). Com Alida Valli, ficou famoso por ter inspirado Almodovar, com a Pele que eu Habito. É um filme estranho e bizarro, com uma atriz esquisita (Scob, que continua a trabalhar). Sinopse: depois de causar um acidente que deixou sua filha Christiane gravemente desfigurada o brilhante cirurgião Dr. Génessier trabalha incansavelmente para construir uma nova face. Seu truque: ele dá um novo rosto para a moça, mas faz isso sequestrando uma jovem e tentando um transplante. Mas até agora nunca deu certo. Imaginem o que sucede quando descobre o que ele andou fazendo?
Realmente um filme esquisito, que acabou se tornando totalmente Cult. O diretor John Carpenter já declarou que se inspirou neste filme fazer Halloween a Noite do Terror (78) em que Edith a mesma máscara. Durante a estreia na Inglaterra, teve crítico que foi despedido por ter gostado do filme. O diretor Franju não considerava esta uma história de horror, mas um drama de angústia. Estreou em Halloween nos EUA e foi mal recebido pela crítica, Franju defendeu-se informando que ele tentou levar o terror a sério. No Festival de Edinburgh, sete pessoas na platéia desmaiaram. O que levou o diretor a comentar, agora eu sei por que os escoceses usam saia. Teve lugares onde chegou a ser batizado sem lógica como The Horror chamber of Dr. Faustus. Givenchy criou os figurinos que Christiane usa no filme.
O Diabólico Doutor Z **
Embora tenha um Cult de fãs, não estou entre os que admiram o diretor espanhol Jess Franco (1930-2013) que é um Zé do Caixão piorado, grosseiro e violento com as mulheres. Embora tenha 178 créditos de filmes, nunca chegou a ser muito conhecido por aqui, se fixando mais na Europa. Aliás, o título filme é escrito no IMDB como o “Daiabólico” que pode ou não ser erro! Enfim, em preto e branco, menos grosseiro do que outros (o elenco tinha certa fama como a francesa Estella Blain (1930-82), que foi casada como ator Gérard Blain e morreu cedo suicidando-se numa praia! E o suíço Howard Vernon (1914-96). Que esteve em A Última Noite de Boris Grushenko de Woody Allen, O Salário do Medo, Delicatessen. O autor Franco fez grande numero de filmes, alguns em vídeo mesmo, outros assinados com pseudônimos, sendo perseguido pela censura espanhola (os dois mais perigosos eram ele e Buñuel) e se divertido com torturas e delírios. Como aqui em que uma mulher decide se vingar das pessoas responsáveis pela morte do seu pai, um famoso e macabro cientista. Ou seja, é um gosto adquirido para quem curte terror.
A Mão do Diabo ***
Este é um curioso e interessante filme de arte, estrelado por um dos astros mais famosos de sua época, Pierre Fresnay (1897-1975), que estrelou sucessos como A Grande Ilusão, Sombra do Pavor (Le Corbeau), Capelão das Galeras, O Assassino Mora no 21. Tourneur foi um grande estilista da imagem fazendo sucesso tanto na França como também pioneiro em Hollywood, além de ser pai de outro notável cineasta, Jacques Tourneur (1904-77) e um grande número de filmes famosos clássicos até hoje em dia (como Fuga ao Passado, Sangue de Pantera, Farsa Trágica com Vincent Price, A Noite do Demônio, O Gavião e a Flecha, Expresso para Berlim). Quem porém vai surpreender é o pai Maurice, que em plena Segunda Guerra Mundial e a França ocupada pelos Nazistas, conseguiu contar esta fábula de terror, com uma criativa cenografia/direção de arte. É sobre “um homem Roland Brissot que compra por um tostão, uma mão Esquerda cortada que serve como talismã que lhe dá amor, sucesso e riqueza. Mas nada é de graça quando surge o diabo”. Além de uma forte e épica trilha musical de Roland Dumas, esse pintor chega a um pequeno hotel de montanha que foi atingido por avalanche carregando seu tesouro e logo desaprova os companheiros e a polícia. Logo explica como conseguiu a caixa misteriosa vendendo a alma ao diabo. Curiosamente o protagonista é uma figura antipática como o passado demonstra. Embora possa ser antiquado, é também surpreente como sobreviveu ao tempo. Experimente.
A Morte Sorriu para o Assassino **
Terror a moda italiano sobre homem que descobre fórmula para ressuscitar os mortos e utiliza isso para se vingar dos inimigos com assassinatos. Pouco conhecido, que procura misturar romance, terror e sexo entre uma bela mulher (Ewa) num triângulo entre romance e sexo, com uma bela mulher e um casal casado (ela seduz ambos os parceiros) e citações de Edgar Allan Poe. O resultado é irregular e longe de ser um clássico. Não é salvo nem pelo clima de pesadelo. Tem gente que salva a trilha musical de Berto Pisano, que resulta sinistra e estranha (ainda mais porque a história se passa no começo do século, em 1900) com instrumentos eletrônicos, orgão etc. O resultado é sinistro. Parte da trilha é tirada do filme Suspiria.
O diretor com pseudônimo também dirige este terror italiano do muito popular por lá, famoso também por trazer no elenco a bela loira Ewa Aulin (famosa por ter feito Candy, com Marlon Brando, logo desistiu da carreira aos 23 anos). D´Amato é conhecido também por seu nome original que era Aristide Massaccesi (1936-99), que fez quase 200 filmes a maioria em vídeo. Aqui uma rápida entrevista faz ele recordar como gostou de Klaus Kinski, que era meio perturbado mas gostava de fazer vilões meio loucos (Kinski 1926-91 é famoso por ter vivido Nosferatu e ter sido parceiro com o diretor Werner Herzog, inclusive no Brasil onde fez Aguirre e Fitzcarraldo). Aqui faz um homem que descobre um antigo encantamento inca para ressuscitar os mortos e os usa para trazer sua irmão de volta a vida. Pretensões a ser poético. Já que não é o típico filme do diretor, tem alguma violência gráfica, sangue, mas nada muito exagerado. É confuso, incluindo amores, assassinatos misteriosos e uma bela mulher chamada Greta.
O Andarilho **
São 121 créditos na carreira deste espanhol pouco famoso por aqui mais celebrado na Espanha por seus filmes de terror e violência. Nascido como Jacinto Molina Alvarez de família abastada, cresceu na Guerra Civil espanhola quando preferiu fazer comedias e filmes leves. Depois fazendo outros interpretando personagens como Drácula, Fantasma da Ópera, Frankenstein e o Diabo. Adotou o nome, assina Paul Naschy (ele dá entrevista explicativa nos extras da edição) onde confirma que este Andarilho é seu filme preferido (a marca registrada do diabo seria ele marcando a vítima com uma cruz de sangue em seu traseiro!). Mas faz questão de dizer também que é um filme corajoso e positivo. Sobre alguém que seguindo os passos de Cristo decide se tornar humano para perambular pela Terra, vivendo uma série de desventuras. Considerado o maior astro de terror espanhol, curiosamente o IMDB só apresenta títulos brasileiros em dois casos, neste e no primeiro longa, chamado Inquisição, 78. Apenas uma curiosidade.