Crítica sobre o filme "Forma da Ãgua, A":

Rubens Ewald Filho
Forma da Ãgua, A Por Rubens Ewald Filho
| Data: 22/01/2018

Qualquer fã de ficção cientifica ou fantasia ou terror é admirador do diretor mexicano Guillermo del Toro que já foi indicado antes pelo Oscar por seu trabalho excelente no alegórico e indicado como roteiro por O Labirinto do Fauno (06). Que foi premiado também como maquiagem, direção de arte e fotografia (ou seja, ele não levou nada!). No grupo de cineastas mexicanos que parecem feitos para provocar o atual presidente norte-americano Trump faltava justamente del Toro, que já ganhou dois Globos de Ouro, de melhor diretor e trilha musical para o francês Alexandre Desplat. Mas acho importante relembrar alguns outros filmes dele como o que o revelou o terror mexicano Cronos, 93, o já americano Mutação, 97, o brilhante espanhol A Espinha do Diabo, 2001, Blade II O Caçador de Vampiros, 02, o legais Hellboy, 04 e Hellboy 2, 08, e os menos felizes Círculo de Fogo (13) e A Colina Escarlate (15). Pelo filme atual ganhou o Grande Prêmio do Festival de Veneza (e mais dois, um prêmio Digital e outro da Unesco).

Difícil é definir o gênero deste filme, que para mim tem certa semelhança com um antigo monstro de minha infância, que foi O Monstro da Lagoa Negra (Creature of the Black Lagoon, 54, a primeira vez que vi 3D!), na verdade uma criatura que lembra muito o protagonista aqui deste filme apelidado de “The Gill Man” inclusive por causa das cenas submarinas. Mas é certamente uma fantasia, com toques de ficção cientifica, uma alegoria romântica que procura situar a ação ainda na virada dos anos 40-50 (as referências são obviamente as canções de época de filmes musicais justamente dos estúdios produtores daqui a Fox que comentaremos em detalhes mais abaixo. Afinal não é toda hora ainda que temos uma canção de nossa Carmen Miranda, que ouvimos cantar em off Chic Chica Boom Chic!). Curiosamente embora seja uma love story com um monstro, pela primeira vez vemos cenas de nudez da mocinha, que no caso é muda e se expressa por sinais. Mas é a primeira vez que eu lembre que um dito monstro do mar (na verdade, pelos diálogos ele veio do Amazonas!) capturado pelos cientistas (logicamente bandidos). Mas que tem um romance com a moça que seria latina chamada Elisa Esposito que ao menos duas vezes se despe inteiramente primeiro para tomar banho, depois para fazer amor com o dito monstro!

Há de se fazer antes de tudo o louvor com que é a textura da fotografia e reproduzida a época e cenografia com extremo cuidado em artefatos, figurinos, passarelas, uso de armas, e até preconceitos (numa lanchonete há a rejeição de um casal de negros e de um veterano artista, o ótimo Richard Jenkins, suspeito de ser gay!). Para o super-vilão Richard Strickland foi escolhido o virulento Michael Shannon (bom ator que agora está em todas) e eu tenho um fraco pela melhor amiga da heroína, feita pela sempre simpática e eficiente Octavia Spencer! É importante falar também da heroína que é a inglesa Sally Hawkins que passei a notar desde quando estrelou Simplesmente Feliz, do grande Mike Leigh (08). E que desde então fez os dois Paddington, Blue Jasmine de Woody Allen, os clássicos Grandes Esperanças e Jane Eyre, entre outros. É uma atriz que tem um estilo peculiar, mas que funciona especialmente bem aqui. Porque como disse é uma love story romântica e musical (há mesmo um número musical que ela estrela com dança e cenografia típica de Hollywood).

O resumo da história é o tradicional. Essa figura amazônica e anfíbia é aprisionada num misterioso lugar de pesquisas onde passa a ser torturada (os russos para complicar também pensam em sequestrá-lo). A Elisa faz a faxina do lugar e o conquista lhe oferecendo ovos e tratando com respeito (ao contrário do violento bandido Richard que chega a feri-lo!). Naturalmente ela não poderá aceitar isso e tenta fugir com ele...

O filme se torna encantador e irresistível e romântico graças principalmente a trilha musical de clássicos (há também referências a shows de televisão como Dobbie Gillis), mas o forte é envolver a trama com canções famosas e antigas, como Babalu (cantada por Caterina Valente), You´ll Never Know com Alice Faye, Shenandoah (famosa canção da Guerra Civil), Betty Grable (cantando e dançando no filme Coney Island/ Turbilhão,43 ), o maestro Glenn Miller (I Don´t Know Why), Bojangles, Pat Boone (há duas referências a filmes em Cinemascope, já no fim dos 60 o que deixa a referência de data meio confusa. De qualquer moda, são filmes da Fox, o bíblico A História de Ruth e o musical Mardi-gras com Pat Boone). Tem até a marcha Sempre Fidelis, a canção francesa de Serge Gainsbourg, a russa Ochichornia (Olhos Negros). E até mesmo a voz de Marilyn Monroe (How Wrong can I Be)!

A verdade é que filme desse gênero é um enorme risco. Ou você adora ou despreza. Eu fui capturado pelo monstro e pela love story tão fora do comum. Tomara que a Academia também seja dessa opinião!

Para mim água é amor. A forma a água é a forma do amor, ela nao tem formato e se transforma em qualquer coisa que seja necessária. Quebra as barreiras.É gentil e maleável.