Foi uma feliz escolha para o filme de abertura da Mostra Internacional de São Paulo, para o último Festival de Cannes e agora para representar a Argentina no Oscar® de filme estrangeiro com grandes chances de ganhar. Por enquanto ganhou prêmio do público em dois festivais, San Sebastian e Sarajevo e foi indicado para a Academia Argentina em 21 categorias.
Não conhecia o jovem diretor Damian. Nascido em 75, este é seu terceiro longa, mas ficou famoso como roteirista de séries de TV de muito sucesso como Hermanos e Detetives, Los Simuladores. Em 2003 fez o primeiro longa, El Fondo del Mar, com Daniel Hendler. E em 2005, Tiempo de Valentes, com Diego Peretti, de O Médico Alemão e Luis Luque, da série de TV da HBO Epitáfios. A coincidência foi que mexendo sem querer no estoque de filmes em DVD que ainda não tive tempo de assistir, esbarrei num argentino que eu tinha trazido de alguma das viagens. E era justamente o filme anterior Tempo de Violência, que fez boa carreira na Argentina, mas esta inédito aqui. Na verdade, a evolução do diretor é espantosa. Fica muito claro que ele é um roteirista muito talentoso, com diálogos divertidos mas naturais. Também tem o dom de escalar elenco, sem derrapagens, todos convincentes. E sabe contar histórias policiais como aqui, sobre um psiquiatra judeu Peretti, que é obrigado a ajudar um policial em depressão (a situação lembra um pouco o Billy Crystal em Máfia no Divã). O problema é que se envolvem numa complicada trama de corrupção em todos os níveis, ate mesmo o mais alto. Curiosamente nunca cai na chanchada, que é uma praga brasileira, mas também ainda não tem o ritmo e perfeição do filme mais recente.
Mesmo aqueles que não gostam de filmes em episódios vão gostar deste Relatos Selvagens e desta vez não será apenas pela presença do astro maior Ricardo Darin, que tem uma participação apenas de honra, em Bombita, como um especialista em explosivos que se revolta contra a burocracia absurda do estado que faz exigências ridículas para que possa pagar multa e recuperar o carro que foi guinchado. Acho que é o menos comédia do grupo e com o devido sabor de crítica (universal por que lembra também o cinema italiano que criou o gênero).
Na verdade, acho difícil destacar qual o melhor ou o favorito porque está tudo muito equilibrado, passando do humor negro. O primeiro passado num avião já em viagem, é tão surpreendente e negro, que não se consegue evitar o riso. Mas depois a luta clássico entre dois de carros, o pobre e o rico, o que tem carro da moda e o caminhoneiro parece um peça musical de tão bem orquestrada (oportunidade para saudar o grande maestro Santolalla). É raro se encontrar um filme do gênero tão bem equilibrado, descortinando aspectos cruéis e tão comuns da natureza humana, culminando na festa de casamento (judeu) Até que a Morte nos Separe, quando a noiva desconfia de traição e parte para um delírio inacreditável de vinganças.
O cinema argentino sofre com todas as dificuldades do seu governo, que consegue ser ainda mais incompetente do que o nosso, e nem por isso deixa de fazer filmes tão divertidos e competentes como este. Um dos melhores filmes do ano, sem dúvida.