Crítica sobre o filme "Charada":

Rubens Ewald Filho
Charada Por Rubens Ewald Filho
| Data: 23/01/2013

Este é sem dúvida um dos meus filmes de cabeceira. Para mim, o melhor filme de suspense que não foi feito por Hitchcock (aliás, Hitch nada teve a ver com o filme como alguns ainda pensam, ele foi realizado por  outro grande diretor, Stanley Donen ainda vivo, o mesmo que co-dirigiu Cantando na Chuva e fez com Audrey também duas outras obras-primas Um Caminho para Dois (Two for the Road, 67) e Cinderela em Paris (Funny Face, 57).

Charada é um dos melhores filmes do gênero, muito ajudado por um roteiro brilhante escrito originalmente por Peter Stone (1930-2003), com argumento dele e do francês Marc Behm (Help, Ronda Mortal que foi refeito depois como Sedução Fatal com Ashley Judd). Stone é também frequente roteirista da Broadway (Titanic, Woman of the Year, 1776) e cinema (os musicais Que Delícia de Guerra, Charity, Meu Amor, os também suspenses Arabesque, Miragem e Papai Ganso). Sete estúdios recusaram o roteiro original e Stone o dividiu em capítulos e o público na revista Redbook (e os estúdios voltaram atrás e correram atrás dele se tornando o único encontro na tela entre Audrey Hepburn e Cary Grant).

Quase todo rodado em locações em Paris, com Audrey chiquérrima com roupas do Givenchy e fazendo par ideal com Grant (a famosa trilha musical é de Henry Mancini que é autor da canção tema, Charade, com letra de Johnny Mercer, que foi indicada ao Oscar e é ouvida no bateau mouche com trecho de letra inédito até então.

Só teve letra porque era obrigatório para poder concorrer ao Oscar). Conhecido também por trazer astros depois muito famosos em papéis menores e surpreendentes. É o caso de Walter Matthau (1920-2000) que geralmente fazia comédia, James Coburn (1928-2002) e George Kennedy (1925 - ainda vivo). Mas a trama é realmente inteligente. Difícil sacar o final (não se preocupe que não vou ser estraga-prazeres e revelar o desfecho ou as várias reviravoltas da trama).

Apenas curiosidades:

Como a cena inicial, em que o trem era de verdade e a equipe tinha que ficar esperando o momento em que ele realmente passava. Os letreiros de apresentação são de Maurice Binder, (foi vendo o trabalho dele nas fitas do diretor Stanley Donen que o chamaram para os filmes de James Bond, que o tornaram famoso).

Donen confessa que usou um truque, numa cena logo no começo, a mão que segura a pistola é de um homem para não revelar a piada. As cenas iniciais foram rodadas num hotel ainda inacabado em Mégeves, Alpes franceses. Audrey Hepburn como sempre vestia modelos de seu figurinista favorito Givenchy e como era seu hábito tinha três cópias de cada vestido. Cary Grant, embora não aparentasse, completou sessenta anos durante as filmagens e não queria mais correr atrás de mulheres, ao menos nas telas. Foi por isso que a princípio recusou o papel.

A fita quase foi feita com Natalie Wood e Warren Beatty, então namorados. Mas o roteirista Peter Stone mudou o roteiro para satisfazer Cary (outra exigência de Cary, ele gostava de ser sempre fotografado do mesmo lado, onde se considerava mais fotogênico). O autor Stone faz uma ponta na cena do elevador, só que dublado (a voz) pelo diretor Donen.

Outros que foram dublados, o francês Jacques Marin (o chefe de polícia), que tinha um sotaque muito forte, foi dublado por outro ator, Gregoire Aslan; o menino foi dublado por uma mulher, dubladora profissional. Donen fez questão que o autor ficasse no set o tempo todo das filmagens, uma coisa muito rara de acontecer.

Stone considera sua sequência favorita, a do enterro, onde apresenta todos os personagens centrais de forma inusitada. Quem faz um dos matadores é Ned Glass, um ator que havia virado carpinteiro porque foi posto na lista negra do McCarthismo. Charada foi totalmente rodado em Paris, até no mercado de Les Halles, que hoje não existe mais. Mas Donen confessa uma falha, neste passeio de Bateau Mouche, eles iluminaram apenas um dos lados do rio Sena, assim a projeção de fundo das cenas é sempre a da margem direita, tanto quando aparece Cary quanto Audrey.

Donen também confirma a inspiração em Hitchcock, mas com uma diferença, nas fitas dele em geral era um homem que está em perigo e sendo perseguido, aqui é uma mulher e pela primeira vez Audrey fez um papel desse gênero. Numa cena com Walter Matthau eles tiveram que comer mais de quarenta sanduíches, mesmo porque o ator disse que ele era engraçado quando aparecia comendo e também correndo, porque parecia um pato quando corria.

Outra curiosidade:

O filme foi rodado em plena crise dos mísseis de Cuba e um dia interromperam as filmagens achando que o mundo estava perto de uma guerra atômica. Cary Grant era canhoto, tinha mais de um metro e oitenta e era sempre dublado pela mesma pessoa nas cenas de ação, até mesmo num pulo para o balcão. Simpático, mas complicado, ele recusou decorar um texto longo e expositivo e se você reparar bem na sequência (quando ele entra na sala com os bandidos e a criança sequestrada), ele está lendo o texto num quadro negro.

A cena no chuveiro ele também não queria fazer, mas acabou concordando e se divertindo muito. Foi muito mal refeito em 2002, por Jonathan Demme (Silêncio dos Inocentes) como O Segredo de Charlie (The Truth About Charlie), com elenco franco Mark Wahlberg, Tim Robbins e Thandie Newton. Tem ponta do diretor Donen como o homem do elevador quando está junto com o roteirista Peter Stone (que fala sobre pôquer).

A cena em que Audrey derrama sorvete em Cary foi inspirada em incidente da vida real em que ela derrubou vinho no terno dele durante um jantar. Foi vendo o filme que Cary que estava com 59 anos resolveu parar de fazer papéis românticos com mulheres mais jovens (Audrey estava com 34) e por isso não tira a roupa na cena do chuveiro e pouco tempo depois se aposentou da tela (em 66, depois de Devagar, Não Corra).

Num diálogo Cary menciona uma frase (On the Street where you Live) que é uma citação de My Fair Lady que Audrey faria no ano seguinte. Ela e Cary ficaram muito amigos (ele recusou My Fair Lady, ela recusou Papai Ganso). O personagem foi batizado em honra de dois filhos de Donen, Peter e Joshua.