Crítica sobre o filme "El Cid":

Rubens Ewald Filho
El Cid Por Rubens Ewald Filho
| Data: 05/05/2013

Era muito difícil encontrar uma boa cópia desta superprodução (que passava na Tevê toda cortada e com péssima imagem), mas o diretor e critico Martin Scorsese fez uma campanha para restaurá-la, até porque a firma produtora havia falido. É uma história complicada, o filme foi vendido a antiga Monogran, que havia se tornado Allied Artists e foi apresentado em Road show (numa única sala em cidades grandes a preços mais caros com exclusividade por meses ou até um ano), mas foi produzida pelo notório Samuel Bronston (1908-94), sobrinho do lendário Leon Trotsky, nasceu na Rússia e se especializou em superproduções rodadas na Espanha (EI Cid, Rei dos Reis, A Queda do Império Romano), com dinheiro de impostos congelados pelo governo local (que só poderiam ser usados na própria Espanha). O esquema a princípio deu certo, mas houve exagero nas despesas e luxos que acabaram por levá-lo à falência. O curioso é que tinha tradição cinematográfica. Em 1943, fez Jack London, mas só em 1959 descobriu a fórmula do sucesso até quando seu principal financiador, Pierre Dupont, o abandonou, causando a queda do Império Bronston em 64. Este aqui é sua obra-prima, o melhor trabalho de sua carreira. Está cópia restaura o widescreen (e a tela larga nunca foi tão bem usada antes do que aqui, pelo diretor Anthony Mann, um trabalho primoroso em enquadramentos e delicados movimentos de câmera e uma ousadia inédita, o uso de closes que na época era proibido nesse formato gigante!). Na verdade, a fita é tecnicamente esplêndida, toda rodada em locações na Espanha, com grande trilha musical de Miklos Rosza e um roteiro muito adequado, que consegue lhe dar uma dimensão épica e romântica, ou seja, funciona como ação com muitas batalhas (e a clássica sequência final) e também como love-story. É verdade que o colorido perdeu um pouco de sua riqueza (deteriorado pelo tempo), mas dá para desculpar, já que temos uma esplendida fotografia de Robert Krasker alternando entre belos exteriores na Espanha (Sierra de Guadarrama em Avila, Castelo Trrelabon, Valladolid, Calahorra, em La Rioja, Madrid, Peniscola, na Comunidade Valenciana, Toledo, Zamora, e ainda Roma). E a excelente direção de arte em estúdios (de Veniero Colasanti e John Moore). Foi indicado ao Oscar justamente por essa direção de arte, por trilha musical (embora Miklos Rosza tenha brigado com os produtores porque grande parte do que escreveu para o filme não foi utilizado. Ainda assim está edição traz a música da Intermission e da saída da sala). Também foi indicado como canção (embora ela não seja importante no filme, que foi The Falcon and the Dove, tema de amor de El Cid, de Rosza e Paul Francis Webster), mas certamente foi injustiçado e merecia muito mais, já que foi um sucesso internacional de público e crítica. O maior injustiçado foi sem dúvida o diretor Anthony Mann (1906-67), que aliás, na época era casado com a estrela espanhola Sarita Montiel, e era mais famoso pelos faroestes que dirigiu para James Stewart (Winchester 73, E o Sangue Semeou a Terra, o musical Música e Lágrimas).Só recentemente sua obra passou a ser reavaliada e confirmou-se o grande talento para filmes de ação e épicos. 

Difícil encontrar alguém mais adequado para fazer o lendário Cid do que Charlton Heston, que vinha de fazer personagens épicos como Moisés (Os dez Mandamentos)e Ben-Hur (embora sua imagem esteja manchada porque no fim da vida se tornou de Direita e defensor do uso de armas de fogo, se esquecem que nessa época já sofria de Alzenheimer!). É muito curioso que ele tivesse brigado com a estrela do filme a italiana Sophia Loren porque ela teve um salário maior do que ele (foi a primeira a ganhar um milhão de dólares por um filme!). Ela faz Chiméne, que é o grande amor do herói, mas houve dificuldade de realizar as cenas de amor porque se detestavam e se recusam a beijar com mais intimidade (reparem que isso é visível e com frequência eles ficam só de rostos colados. Ainda assim ela está no auge da beleza e resistiu ao tempo enquanto Charlton parece contrariado e nem sempre dá a dimensão esperada ao personagem). 

O roteiro original é assinado pelos experientes Phillip Yordan (que também fez para Bronston, 55 dias em Pequim, O Rei dos Reis, Queda do Império romano e O Mundo do circo), Ben Barzman (foi perseguido pelo McCarthismo por ser comunista, escreveu O Menino dos Cabelos Verdes e reescreveu Z de Costa-Gavras) e ainda Frederic M.Frank (que escrevia para Cecil B. De Mille). E a história inspirada em personagens reais, que foram muito utilizados no teatro e por lendas (por exemplo, apresenta o encontro com Lazarus, disfarçado de mendigo), mas o roteiro é eficiente porque cria logo a trama e conflito central, El Cid, ou seja, Rodrigo Dias de Bivar, poupa a vida de dois emires mouros, o que provoca a fúria do Rei (na época, a Espanha não era unificada e formada por vários reinos). Ele é forçado a matá-lo, mas isso provoca a fúria da filha deste e sua noiva Chimène, que passa a detestá-lo e querer vingança. Para complicar, tem que se intrometer no conflito entre a Família Real, a irmã ambiciosa e apaixonada por Rodrigo Urraca (feita pela atriz francesa Geneviéve Page, que na época era das poucas que sabia falar inglês e fez muitos filmes americanos. Ainda viva, fez sucesso depois nos palcos parisienses) e os dois filhos ambiciosos (John Fraser e Gary Raymond). Provavelmente por questões de co-produção o filme traz ainda vários atores italianos (Vallone, Serato, Tulio Carminati).