Favorito para o Oscar® de filme estrangeiro deste ano, vencedor de melhor filme europeu, indicado para o Globo de Ouro, Independent Spirit, este é o sexto e melhor filme de um cineasta napolitano Paolo Sorrentino, que até agora não é muito conhecido por aqui. Alguns podem lembrar de algum Festival com o Il Divo, o drama sobre um astro do rock, Sean Penn ( o interessante Aqui é o Meu Lugar) e em breve terá feito episódio para Rio, Eu Te Amo. Mas só agora que conquistou seu espaço como o herdeiro de Fellini, com este filme espetacularmente belo, que é melhor descrito como uma versão 60 anos depois de A Doce Vida, agora a cores e com o personagem do jornalista (feito então por Mastroianni, aqui pelo grande ator teatral Toni Servillo, que nessa altura escreveu apenas um romance de sucesso e desperdiçou seu tempo em coisa alguma, continuando a ser o jornalista favorito dos ricos e famosos, dando festas na cobertura-terraço de seu apartamento perto do Coliseu).
Fellini é assumidamente a chave fundamental para penetrar no filme, o que não deixa de ser um problema, já que são dez anos de sua morte e muita gente já não tem a menor ideia de quem ele seja. Ainda mais para identificar que é utilizado seu estilo narrativo, seus habituais movimentos de câmera, marcações, figurantes bizarros, trilha musical misturando como a própria cidade de Roma o sagrado e o profano (alias as danças nas festas são um charme a parte). Na verdade, ajuda muito a embarcar no filme ter essa chave.
E mergulhar num retrato contemporâneo e altamente critico – porém sutil - de uma sociedade talentosa, uma cidade linda, uma população cheia de energia mas que se perde em banalidades. Algumas das citações porém é possível que a gente perca por falta de maior conhecimento do cotidiano romano (uma das poucas que eu descobri foi a presença de Serena Grandi, que foi uma voluptuosa estrela da teve que agora ficou uma bruxa impressionante. É ela que leva a bronca justamente quando vai tomar injeção de Botox!).
Talvez por causa disso, o espectador casual pode se perder diante do filme até porque faz tempo que não se cultua mais a beleza como um fator de qualidade no cinema. A fotografia em filmes de arte europeus e até orientais recentes tem sido granuladas e feias. Mesmo no italiano que já teve a melhor direção de arte, a melhor fotografia, melhores figurinos, do mundo, que dava aulas para Hollywood em Cinecittá. Este filme dá sinais de que nem tudo está perdido. Aqui, Roma volta a ficar deslumbrante, fotografada de maneira requintada e original. Como afirma Sorrentino: “Queria que as luzes de movessem com o filme. Gostava muito dessa ideia. Então ou as luzes se movem ou os personagens entram ou saem da luz o tempo todo”.
Há naturalmente outro fator subjacente e evidente: o filme retrata a época desonrosa em que a Itália era dirigida pelo primeiro ministro Berlusconi e sua cultura do Nada, um palhaço que mais parecia um imperador daquela linha Calígula, guardadas as diferenças. Que era corrupto, superficial, adorava orgias e que finalmente acabou sendo cassado (e para piorar dominava todos os meios de comunicação). Nessa Roma do filme é a historia de alguém (no caso o diretor, não o personagem) que tenta encontrar algum sentido num mundo onde justamente as coisas perderam o sentido! Onde se acentuou a vulgaridade, a perde do sentido do pudor, vergonha, modéstia, discrição!
Não é apenas uma carta de amor à cidade eterna, mas uma denuncia dos excessos da Itália atual, que propicia aos romanos uma vida muito dura, sem sentido, cansativa e difícil. Mas para quem estiver atento não faltam momentos de incrível beleza e simbologia (um exemplo: a menina que reclama dos pais que a forçam a trabalhar. Mas chorando vai cumprir o dever e pintar um quadro com tinta que joga numa tela branca. E que surpreendentemente resulta muito bonita e complementar !).
O diretor dá algumas chaves para isso. Há uma citação no começo de um autor preferido de Sorrentino, Louis-Ferdinand Céline, de Viagem ao Fim da Noite. Que podia se resumir assim “Nossa viagem é inteiramente imaginaria. Esta é sua força”. Depois se formam círculos como no inferno de Dante. E por fim refere-se ao Livro que Flaubert queria escrever e seria sobre o Nada.
A Grande Beleza é a tentativa de louvar o belo enquanto se critica justamente a essa cultura do nada, do burro, do vulgar. Como já disse é preciso não esperar uma narrativa tradicional e se deixar levar pelo redemoinho de imagens (que disparam após um tiro de canhão), com algumas ocasionais citações explícitas de La Dolce Vita (a visita ao palácio com velas, a sequencia com a velha freira que seria milagrosa, a visita ao cabaret de mulheres nuas, a aparição crepuscular de Fanny Ardant (como fazia Anna Magnani em Roma de Fellini, alias a presença frequente de freiras de todos tamanhos e idades, também fazem pensar no desfile de trajes eclesiásticos). E muita impressionante como imaginação e realização que nos tempos atuais talvez só um Wong Kar Wai seria capaz de concorrer (ainda em outra esfera).
Acho A Grande Beleza um filme fascinante e o retorno da Beleza as imagens do cinema italiano. Que seja bem vindo. Temos agora um novo cineasta genial para conferir.