Todo mundo sabe que eu gosto de musicais e defendo o gênero. Mas isso não me torna nem surdo, nem cego. Quando teve sua pré-estreia a versão para o cinema do musical Le Mis, depois de 20 anos de sucesso pelo mundo inteiro, inclusive no Brasil, foi saudada com muitos elogios.
Logo depois as opiniões se dividiram, tem os que adoram, tem os que odeiam. Infelizmente fico num meio termo. Não acho que Tom Hooper seja o diretor ideal para o projeto, ele fez antes muitos telefilmes e ganhou um Oscar pelo mediano O Discurso do Rei.
O filme está fazendo uma carreira decente nas salas e já passou a barreira dos 100 milhões de dólares nos EUA, mas um equívoco em praticamente tudo. Deixa eu ser didático:
Teoricamente poderia ter sido uma boa ideia gravar as canções ao vivo, em vez de usar a velha tradição de gravar antes o áudio e deixar o ator dublar na hora da filmagem. Quase 90 anos dessa tradição não podem ter sido em vão. Obviamente isso é feito porque assim registram a mais perfeita performance, com possibilidade de corrigir defeitos até tecnicamente. E não obrigar o ator a repetir a cena até 15 vezes até a exaustão.
Sugiro que vocês ouçam o disco para terem o primeiro choque, o elenco em geral está cantando tudo pequeno, para a câmera, às vezes quase dizendo as palavras. E não usam o poder total da voz que era o que impressionava mais em cena. Ouso dizer que Le Mis é um fenômeno teatral, quase operístico já que não há diálogos, mas recitativo, o pouco que se fala é com música. Aí que a escolha do elenco falha. É horrível a interpretação de Russell Crowe, que canta baixo e com uma batata quente na boca, parecendo mais constrangido do que emocionado.
O Gladiador se sai muito mal como o hiper vilão clássico da literatura. Toda a história depende da interação entre o herói injustamente perseguido, o Jean Val Jean (Hugh Jackman) e o policial obsessivo Javert. E isso ficou claro em inúmeras outras versões da história.
Aqui não há a menor química entre os dois, em parte porque Hugh está sempre sofrendo (também porque lhe cortam o cabelo ou fazem puxar navio com ondas na cara!).
O ódio de Javert deveria sustentar toda a história. Só que a narrativa não tem respiro, ela vai aos supetões, se atropelando. Às vezes tentando ser realista, mas quase sempre caindo na caricatura ridícula como é o caso da dupla Helena Bonham Carter (que não canta, mia) e Sacha Cohen Baron.
Outro que fala, embora tivesse voz como já demonstrou antes, as tentativas deles fazerem chanchada é patética e o ponto mais baixo do filme. A coitada da Anne Hathaway faz uma transformação de operária para prostituta praticamente de cena a cena, que é igualmente constrangedora. Todo mundo diz que chora ao ouví-la em seu único solo, onde não canta, balbucia entre lágrimas e já se fala em Oscar para a moça, simpática sim, mas nem por isso tão boa.
Reclamo da escolha do elenco, porque colocaram como Marius, ou seja, o galã o bom ator Eddie Redmayne, que é franzino, ruivo, sardento, funciona muito bem como traidor e bandido. Mas ele é tão sedutor que não apenas uma, mas duas mulheres se apaixonam por ele a primeira vista e perdidamente, Eponine e Cosette (Amanda Seyfried, que parece engolida pelo tamanho do filme).
O pior é que justamente Eddie/Marius acaba sendo a melhor voz do filme e das mulheres quem se defende melhor é a novata que faz Eponine, Samantha Baks (bela voz e boa figura).
Pobre Hugh, que está prejudicado pela decisão de não usar sua bela voz de barítono, mas fazê-lo cantar em outro tom, que ele não tem facilidade, aparentemente de tenor.
Cadê a voz possante da Broadway de presença estrelar? Não está no filme. Ele mesmo não tem a autoridade de outros atores que fizeram o papel (como Jean Gabin, Fredric March), ainda mais sem sua voz autêntica.
Também não gosto da maneira em que Moore filma os números musicais, todos da mesma maneira, com a câmera na mão perseguindo os personagens e fazendo closes em lente grande angular.
Obviamente cansativa. Insisto que a voz plena e solta de gravações em DVD ou Blu-ray como os 25 anos do show são muito mais emocionantes do que este filmezinho.
Claro que alguns momentos são comoventes, em particular o final. A nova canção escrita para o filme Suddenly e que pode ser indicada ao Oscar não é nada demais (Hugh canta quando está fugindo com Cosette). Enfim, uma grande oportunidade perdida.