O material que serve à narrativa é excelente: o livro de ficção autobiográfico do jornalista e escritor Hunter S. Thompson; ali estão a doce irreverência da personagem de Thompson, rebatizada de Paul Kemp, a sensualidade primitiva de Porto Rico, as oscilações entre o talento e a irresponsabilidade, os contrapontos entre a ganância e o gênio de viver (ou de escrever, ou ainda de escrever como se vive, um escopo de Thompson, e também de Kemp, a criatura, que se embebedava para ter alma para escrever). No entanto, Bruce Robinson, apesar de já avançado nos anos e como dirige pouco (foi ator de François Truffaut em A história de Adèle H., 1975), tropeça numa série de convenções, facilidades, o que, enfeixando, vem a dar numa narrativa frouxa, sem inspiração ao filmar a partir de The rum diary seu Diário de um jornalista bêbado (The rum diary; 2011).
Para os apreciadores do cinema padrão feito em Hollywood, esta cinebiografia disfarçada pode até funcionar. Johnny Depp cumpre novamente com seu bom papel, vivendo um inocente esperto e perturbador. Aaron Eckhart é um semivilão convincente. E mesmo que a sensualidade de Amber Heard escorregue para uma vulgaridade óbvia numa pista de dança com nativos, ela desperta naturalmente a libido do observador: claro, sem os rasgos dramáticos profundos de um Bernardo Bertolucci, por exemplo. Giovanni Ribisi, todavia , interpreta um ébrio constantemente aborrecido.
Frigindo os ovos, a narrativa de Diário de um jornalista bêbado pode ser acompanhado sem sustos numa sala de projeção, mas ao pensar sobre o filme não resiste: descamba. Fica-se, especialmente, fantasiando o que tal personagem e tal material renderiam nas mãos do cineasta alemão Werner Herzog, particularmente o Herzog dos tempos de Aguirre, a cólera dos deuses (1972).