Tudo o que deparamos é aprofundado em nossa imaginação. Todo objeto é subjetivado dentro de nós. É daí que parte o senso narrativo de Um retrato de mulher (The woman in the window; 1944), mais um belo filme americano dirigido pelo alemão Fritz Lang, desta vez extraído do livro Once off guard, de J. H. Walls. No começo do filme, um professor de psicologia tergiversa para uma plateia silenciosa e um tanto abstrato sobre comportamento criminoso; vira e mexe, o professor, após encontros amáveis com amigos e colegas de cátedra universitária e depois que sua mulher e filhos se despedem dele para uma viagem de férias, dá com um retrato de mulher na vitrine duma galeria artística e, numa destas visões, inesperadamente vê refletida na tela, ao lado da imagem do retrato (ou ao fundo), a imagem da própria mulher que teria servido de modelo ao quadro. A partir daí, num ambiente de tensões criminais em que o professor é envolvido juntamente com a mulher do retrato, se desenvolve uma trama estranha da qual o professor só sairá quando seu empregado o acordar no horário solicitado, dez horas e trinta minutos.
Pois bem. Laura (1944), outro filme americano dirigido por um europeu, o austríaco Otto Preminger, realizado contemporaneamente, também fazia com que a fixação da personagem num retrato de mulher criasse um universo sonambúlico e mágico (a mulher do retrato também saía da tela e se inseria na história que passava a ser contada) sem desprender-se de um certo realismo psicológico de encenação. Sem chegar a atingir propriamente a densidade do filme de Preminger, o trabalho de Lang oferece, ainda e sempre, as sinuosidades sutis do cinema do alemão. Edward G. Robinson e Joan Bennett reluzem ao longo de todos os fotogramas.
Infelizmente, nas tendências mais rocambolescas do cinema de hoje (visual e tematicamente), as lições mais simples de Lang parecem muitas vezes desusadas. Mas bem que mereceriam ser ressuscitadas: faz-se cinema também com extrema simplicidade.