Crítica sobre o filme "Kika":

Rubens Ewald Filho
Kika Por Rubens Ewald Filho
| Data: 29/07/1993

Depois que ficou famoso com Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, o diretor espanhol Pedro Almodóvar tomou cuidado em não chocar demais o público. Procurou se comportar um pouco, evitando os extremos de audácia que o tornaram famoso e popular (em fitas que não passaram aqui, como sua obra prima A Lei do Desejo e Que Fiz Eu para Merecer Isso?). Por isso suas últimas fitas têm sido apenas razoáveis (como Ata-me e De Salto Alto), mas ele volta à forma com este Kika, uma fita forte, atrevida, meio louca, em que ele não se controla nas medidas do que o público pode digerir. Vai às fronteiras do escracho e da provocação.

 É com olhar satírico que é preciso ver esta fábula meio maluca sobre uma maquiadora chamada Kika (a comediante Veronica Forquet, famosa na Espanha mas desconhecida por aqui) que recorda em flashback (a estrutura da fita é toda complicada propositadamente) a história em que se meteu. É casada com um fotógrafo de modas traumatizado pela morte da mãe de aparente suicídio (a chave da obra do diretor é o melodrama, tão caro ao público espanhol). Ele deixa o padrasto escrito (Coyote) a dormir num quarto de seu apartamento embora ele também tenha casinho com Kika. Os problemas pioram quando Kika é violentada por um tarado e ator pornô que fugiu da cadeia e a violenta repetidas vezes, depois que a irmã dele, empregada da casa da heroína, o deixou entrar. Esse estupro cômico foi o que causou mais escândalo com o filme nos EUA e realmente é uma sequência chocante, mas muito engraçada ao mesmo tempo.

Para o filme ficar mais ultrajante existe ainda a figura de uma apresentadora de programa de teve que se apresenta em roupas muito malucas (criadas por Jean Paul Gautier, o figurinista de Madonna) e faz reportagens tipo O Pior do Dia, sensacionalista e louvando a violência. Como ela é rival de Kika, acaba aparecendo na hora do estupro com sua câmera portátil no chapéu e aumentando a confusão. O filme vai chegando ao paroxismo total quebrando tabus (com várias perversões distintas).

A fita só não chega a ser excepcional porque Almodóvar não pode ter seu elenco inicial, que era mais talentoso (como Carmem Maura e o hoje internacional Antonio Bandeiras) e teve que se contentar com o segundo time. Nenhum deles é grande coisa, especialmente carismático ou engraçado, com a exceção de Victoria (de Ata-me e Saltos Altos) que mesmo assim está ficando magra e seca demais. Coyote é francamente um canastrão. Nem eles, porém, estragam o filme que traz Almodóvar de volta a forma. Quem curte seu trabalho, vai gostar deste novo filme. Outros podem se escandalizar ou simplesmente se retraírem.