Crítica sobre o filme "Sylvia - Paixão Além das Palavras":

Eron Duarte Fagundes
Sylvia - Paixão Além das Palavras Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 11/08/2004

O esforço da diretora Christine Jeffs para captar a personalidade angustiada e angustiante da poetisa norte-americana Sylvia Plath tropeça nos aspectos burocráticos de sua linguagem cinematográfica. O academicismo narrativo de Sylvia, paixão além das palavras (Sylvia; 2003) se evidencia a cada fotograma e é um estorvo para que o filme mergulhe sem pudores no inferno interior de sua personagem.

Os lances da vida de Sylvia são bastante conhecidos, especialmente depois que Ted Hughes, o poeta inglês com quem ela foi casada e teve duas filhas, abriu o jogo numa autobiografia publicada há alguns anos. Sylvia morreu aos trinta anos, asfixiando-se com gás num forno de cozinha enquanto seus filhos pequenos dormiam no andar de cima da casa. O motivo aparente seria a não superação de sua separação de Ted, que a teria trocado por outra. Sylvia se teria aproximado de Ted após apaixonar-se por uma das poesias dele; a paixão da alma veio antes da paixão física, antes mesmo do conhecimento físico (ver o corpo), assim como a atriz sueca Ingrid Bergman se interessou pelo cineasta italiano Roberto Rossellini inicialmente ao assistir a uma de suas realizações neo-realistas. Enfim, identidades espirituais.

Apesar de seu ranço burocrático, o filme não impede que nos interessemos pelo que haveria de obscuro e inquietante na figura literária de Sylvia Plath. Alguns excertos de textos poéticos de Sylvia dão imagens da dimensão de sua obra e de sua maneira de ser. É pena que os limites lingüísticos dum filme evidentemente voltado para compromissos comerciais abafe uma descida mais profunda à danação de Sylvia.

Gwyneth Paltrow apresenta altos e baixos em sua caracterização como Sylvia: às vezes resgata a loucura da personagem, outras deixa subir às suas faces um incômodo estrelismo a que seu público estaria mais acostumado. Cuido que Nicole Kidman, vivendo outra escritora suicida, a inglesa Virginia Woolf, em As horas (2002), de Stephen Daldry, se despe com mais rigor dos artifícios de estrela para atingir o interior da personagem. Isto para não falar no dueto Judi Dench—Kate Winslet que compõe um retrato da ficcionista inglesa Iris Murdoch em Iris (2001), de Richard Eyre, de maneira perfeita (embora o filme não sai não seja tão perfeito assim). Voltando às interpretações de Sylvia, Daniel Craig como Ted Hughes deixa mais a desejar que sua parceira, pois suas expressões faciais se mantêm sempre um tanto quanto duras e sem sangue; pode-se alegar a fleuma britânica, mas eu já vi fleumas melhor desenhadas numa tela de cinema.

Entre suas escassas virtudes e seus muitos problemas, a realização de Christine Jeffs ao que parece vai fazendo um certo público graças à natural curiosidade que cerca a curta e trágica vida de sua protagonista. Entre outras coisas, o filme semeia uma discussão polêmica, de cunho feminista: teria Ted Hughes sido uma atrapalhação no desenvolvimento poético de Sylvia Plath, que vivia muito à sua sombra na sociedade machista da época e só foi produzir uma grande obra depois que o marido a abandonou? O suicídio de Sylvia atribuído ao desprezo sentimental de Ted reforça esta mensagem de que ele foi uma pedra ruim no caminho dela. Enfim, coisas meio à margem da narrativa, algo que o filme não explora com a devida eloqüência cinematográfica e que este intérprete vai jogando seus ditos meio não-diegeticamente, isto é, em off em relação àquilo que de fato está no trabalho de Christine Jeffs.