Crítica sobre o filme "Sob os Tetos de Paris":

Eron Duarte Fagundes
Sob os Tetos de Paris Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 22/07/2004

O cinema do francês René Clair envelheceu, este é um dado. Sob os tetos de Paris (Sous les toits de Paris; 1930) dá bem a medida deste envelhecimento. Não que o filme não possa ser acompanhado pelo espectador de hoje com facilidade. Mas está longe do charme que fez do filme uma atração popular em sua época: embalado pelas facilidades da cançoneta-título (que é entoada já na seqüência inicial por uma personagem-chave) e incrustado no gosto do público parisiense e europeu dos anos 20, a realização da Clair é uma peça de cinemateca em que podemos desfrutar duma nostálgica Paris. Clair filma bem as chaminés da época, os planos gerais dos cenários urbanos e o céu de Paris; e vai enrolando-nos com suas anotações das trapaças e dos amores de um grupo de pessoas que sobrevive numa cidade-luz que, observada daqui da ponta do século XXI, parece tão provinciana quanto qualquer povoado médio do interior gaúcho.

Ora, por favor, eu não desdenho de Clair, que é um competente diretor de cinema. Mas cuido que seu patrício Jean Renoir sobreviveu muito mais à voracidade dos anos. Ambos são artistas tipicamente franceses, especialmente na utilização de veios duma certa comédia popular. A diferença está em que Renoir é profundamente mais crítico que Clair, conformista por excelência. Para se imaginar o que a arte de Renoir faria das trapalhadas de Sob os tetos de Paris, basta pensar em A regra do jogo (1939), cujo esqueleto é igualmente uma crônica de tolices que nunca se disfarça, e no entanto Renoir fez ali um dos maiores filmes do mundo.