Como ocorria em Embriagado de amor (2002), de Paul Thomas Anderson, Secretária (Secretary; 2002), de Steven Shainberg, vai buscar o inusitado de seu universo fílmico numa criatura cuja vulnerabilidade mental está à flor da pele. Na verdade, as características patéticas e dementes da protagonista de Secretária não são somente dela mas também de seu coadjuvante, a personagem do advogado com quem a estranha e masoquista secretária vai completar seu círculo de perversidade.
Shainberg não deixa de conferir à sua narrativa brilhos acima da média, graças ao rigor formal da realização e aos extraordinários desempenhos de Maggie Gyllenhaal e James Spader. O marotamente provocativo olhar final da secretária para a câmara (=para os espectadores), em primeiro plano assombroso, está entre os grandes achados interpretativos do cinema nos últimos anos.
O senão mais grave de Secretária é que, depois da metade do filme, as situações começam a incomodar aqui e ali em função da repetitividade que o cineasta, sem o estofo de gênio do italiano Pier Paolo Pasolini em Salò, ou os 120 dias de Sodoma (1975), não logra resolver plenamente. Ainda assim, Secretária é um espetáculo que merece a visão cuidada do espectador; os aspectos inusitados de sua história que envolve dependência, prazer e dor, assim como certas formas de encenação raras no cinema comercial conduzem o drama surrealista de Shainberg a uma posição quase única no cinema de hoje.