Crítica sobre o filme "Poderosa Afrodite":

Eron Duarte Fagundes
Poderosa Afrodite Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 30/01/2004

Ancorado no cinema refinado e intelectual do francês Eric Rohmer, o realizador norte-americano Woody Allen compõe um de seus trabalhos mais criativos e pessoais, Poderosa Afrodite (Mighty Aphrodite; 1995), agora em DVD. Valendo-se da estilística de Rohmer, Allen logra ser profundamente americano, comunicativamente americano, cativando uma fatia de público cuja afinidade com o cinema do espírito não chega a ser grande. Se em alguns momentos (e mais em outros filmes que neste) esta adaptação do estilo de filmar à comunicação contemporânea geram uma pasteurização, para facilitar a compreensão do público (o que o crítico chamaria concessão comercial), a regra aqui é uma personalidade própria, um humor peculiar.

O constante recurso do plano-seqüência é utilizado por Allen de maneira notável. A câmara se mexe como um olhar doce mas inquieto dentro do diálogo das personagens; muda o ângulo do enquadramento, os planos se modificam com os movimentos de câmara, passa-se dum primeiro plano duma personagem a um plano geral de todos os que conversam à mesa, os tipos em cena obedecem a um determinado caráter de interpretação (a prostituta vivida por Mira Sorvino é uma composição tão rigorosa e ao mesmo tempo espontânea desde a característica vocal quanto algumas criaturas-intérprete de Eric Rohmer). De fato, tudo isto está, e num nível mais exigente, em Rohmer; mas Allen sabe seduzir-nos com uma comédia enxuta, divertida e, apesar de suas origens de estilo, "original".

O coro grego que cose a trama, inserindo-se filosoficamente no desenvolver da história, é um achado de Allen para conferir à sua história romântica uma dimensão mais criativa. A personagem da prostituta ressuscitada para a vida por um príncipe do mundo real é um dos clichês do cinema americano atual (em Despedida em Las Vegas, 1995, de Mike Figgis, a mulher é o pólo da salvação: terá de salvar-se para salvar o homem), mas Allen a transforma num ser mais profundo do que seus similares no imaginário cinematográfico hollywoodiano.

Poderosa Afrodite é certamente o melhor filme de Allen na década e uma de suas narrativas mais leves e despojadas. Sua desabusada pretensão, suas imagens em festa o tornam igualmente um dos mais fiéis exercícios rohmerianos de filmar.