Crítica sobre o filme "A Nós a Liberdade":

Eron Duarte Fagundes
A Nós a Liberdade Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 22/07/2004

Como ocorreu com Julien Duvivier, o cineasta francês René Clair é outro nome que, de bom sucesso em sua época, mereceu acerbos comentários dos pensadores de décadas posteriores. Seu filme mais famoso é A nós a liberdade (A nous la liberté; 1931), em que Charles Chaplin confessadamente se inspirou para rodar seu Tempos modernos (1936); uma análise serena do clássico de Clair permite ao observador vislumbrar o fascínio e os limites do realizador de As grandes manobras (1955).

A nós a liberdade não oculta a ingenuidade da exposição de seu tema nem uma faceirice de filmar que parece hoje meio boba: são aspectos envelhecidos de uma realização cuja energia narrativa ainda nos interessa. Clair, de maneira um tanto quanto arrojada para aqueles começos dos anos 30 em que o nazifascimo começava a assomar no mundo, coloca em cena o operário; seu assunto é a mecanização do trabalho e a desumanização do homem trazidas pelos exageros da era industrial. As primeiras seqüências se passam entre prisioneiros postos a trabalhar; na verdade, as grades simbolizam a própria figura do operariado naqueles tempos, os trabalhadores viviam como numa cela. Depois, quando a câmara contempla uma fábrica que está do lado de fora da prisão, os gestos mecânicos se repetem: o espectador liga obviamente as duas seqüências.

O filme de Clair tem laivos de uma colcha de retalhos a que a habilidade do cineasta dá uma certa unidade. Os hinos libertários cantados em cena conferem a A nós a liberdade uma certa essência de musical; os hinos, que propugnam pela liberdade, são ironicamente entoados um pouco à maneira nazista. Parte da unidade da narrativa vem do debruçar-se do enredo sobre a amizade entre dois ex-prisioneiros, um deles virou rico empresário, o outro segue pobre, quando se reencontram surgem o choque e os conflitos, o rico é depois chantageado por alguns vagabundos que descobriram seu passado, o pobre se apaixona por uma moça da fábrica. A seqüência final dos dois amigos sumindo-se numa estrada, a cantar, antecipa Chaplin e o italiano Federico Fellini.