Mesmo longe de seu esplendor neo-realista, o cineasta italiano Vittorio De Sica mantém sua elegância de filmar e sua terna capacidade de observar os seres humanos em Matrimônio à italiana (Matrimonio all’italiana; 1964). Reunindo em cena dois atores extraordinários do cinema italiano, o versátil Marcello Mastroianni e esta diva da melancolia do plano cinematográfico que sempre foi Sophia Loren (De Sica os juntou em outros dois filmes, Ontem, hoje e amanhã, 1963, e Os girassóis da Rússia, 1970, mas foi na obra-prima do italiano Ettore Scola, Um dia muito especial, 1977, que a dupla de intérpretes atingiu o auge de sua química), o realizador oferece-nos o prazer de ver cinema humanista antes de tudo, o que vem a calhar neste início de milênio em que muitas vezes as películas se converteram em barulhos vazios (efeitos especiais, gritarias, correrias, pancadarias).
Marcello e Sophia estavam no pico de sua beleza e de seu poder dramático, numa maturidade plena e admirável. Sophia interpreta uma prostituta que larga o bordel ao apaixonar-se por um de seus clientes na época da guerra. Marcello é este cliente esperto que só quer tirar proveito da mulher, nunca a assume e chega quase a casar-se com uma nobre, não fosse a maliciosa e disfarçada chantagem que a criatura de Sophia lhe aplica num momento capital.
Embora originário do realismo cinematográfico italiano, De Sica despreza com muito acerto as convenções naturalistas das interpretações. Mastroianni e sua parceira interpretam tanto os adolescentes que eram suas personagens quando se conheceram quanto os madurões do fim da história; o espanhol Carlos Saura fez isto em A prima Angélica (1973), levando um ator adulto a interpretar inclusive o menino que fora sua personagem.
É certo que a conclusão conformista de Matrimônio à italiana prejudica um pouco certas asperezas do realismo com que De Sica esmiúça seus temas neste filme; mas não invalida, ou talvez até se insira, a doçura do olhar que conta a história.