O realizador espanhol Pedro Almodóvar era praticamente desconhecido do espectador brasileiro quando, em novembro de 1987, seu filme Matador (1986) iluminou a tela do Ponto de Cinema/SESC, na avenida Alberto Bins, uma das salas alternativas com que contava a cidade de Porto Alegre naquele final de década. O elenco que se tornaria habitual na filmografia do diretor -Antonio Banderas, Assumpta Serna (aliás, esta vista anteriormente numa realização de outro espanhol, Carlos Saura, Mamãe faz cem anos, 1979), Nacho Martinez, Eva Cobo, Carmen Maura-viria a ser bastante acompanhado quando o cinema de Almodovar passou a interessar os distribuidores comerciais.
Uma namorada da época, cheia de pudores quando se tratava da imagem cinematográfica mas nem tanto assim ao abrir-se à intimidade, considerou como de mau gosto a simbologia básica de Matador: no início do filme cenas duma tourada alternam-se com seqüências sexuais enquanto um mestre deita cátedra sobre a tauromaquia; seria o jogo amoroso e afetivo tão violento e mortal quanto a briga com touros? Minha namorada detestou o sangue derramado por Almodovar, questionava-se se o bicha do Almodovar tinha a mulher por touro, embora eu me esforçasse, entre as paredes do quarto, por provar que o cineasta estava certo ao mostrar que os impulsos do sexo e da morte são os mesmos e estão escondidos dentro de cada indivíduo, mesmo naqueles aparentemente normais.
A seqüência final dos amantes que se devoram até a morte é uma peça de antologia do cinema de Almodovar, comparável, em força erótica e pulsão vital, ao destino do casal em O império dos sentidos (1976), do japonês Nagisa Oshima. A atração do aprendiz de toureiro, Angel, vivido por Banderas, pela mulher de seu mestre é edipiana, e a cena do frustrado estupro revela seus desajustes sexuais: ele ejacula nas pernas da moça, sem penetrá-la. O desejo de Diego, o mestre, por Maria, a advogada de Angel, é outro dos abismos internos do filme, que vai dar naquela seqüência tragicamente vermelha que dá cabo da narrativa.
Cheio de um erotismo novo e perverso (mais explícito e contemporâneo que em Luis Buñuel), Matador permanece como uma das obras mais bem sucedidas de Almodovar.