Depois do promissor Garota, interrompida (1994), o cineasta norte-americano James Mangold derrapa ao incursionar por uma aventura grotesca e surrealista em Identidade (Identity; 2003). Como em O anjo exterminador (1962), do espanhol Luis Buñuel, um grupo de pessoas não consegue sair de um lugar onde acontecimentos sinistros perturbam ainda mais esta impossibilidade; à maneira de Psicose (1960), do inglês Alfred Hitchcock, o clima claustrofóbico é buscado pela utilização do cenário desolado dum motel de beira de estrada. Mas me parece que a verdadeira inspiração de Mangold é uma realização ianque recente, Cidade dos sonhos (2001), de David Lynch; como na obra-prima de Lynch, há personagens que são mais de uma personagem, há em cena um diretor, há uma atriz, há um estranho acidente de carro, há muita nebulosidade cujo sentido escapa não somente ao espectador mas ainda à própria montagem do filme, obscura e mal feita. O excesso de pretensão do realizador materializar-se-á também quando sua câmara se detiver sobre um exemplar de O ser e o nada (1943), obra de filosofia de Jean Paul Sartre –que vem fazer este monumento sartreano, colocado no carro ao lado da personagem de John Cusack, entre estas criaturas sem profundidade que Mangold foi buscar não sei onde? Buñuel, Hitchcock, Lynch, Sartre – é muito peso para os ombros frágeis de Mangold.
Chove o tempo inteiro ao longo da narrativa de Identidade. Ao tratar dos aspectos oníricos que levam as pessoas a serem mais de uma personalidade, Mangold foi além do que seu braço de montagem permitiria. Para realizar uma investigação cinematográfica que buscava a complexidade, faltou ao cineasta de Identidade aquele prodígio formal do francês Alain Resnais, que em Meu tio da América (1980), recentemente revisto na “Mostra Grandes Nomes do Cinema Francês”, revela sua extraordinária habilidade para montar a complexidade em cinema.