Desde seu primeiro filme, o artificioso A grande arte (1991), o cineasta brasileiro Walter Salles Jr. optou por uma ousada e sempre perigosa internacionalização de filmar. O inglês de sua estréia cinematográfica é substituído pelo sotaque de Portugal em Terra estrangeira (1995), uma aventura européia em tempos de crise do cinema nacional.
Diários de motocicleta (2004), o novo trabalho de Salles Jr., é uma seqüência natural do norte cinematográfico do cineasta. Aqui a internacionalização é uma americanização de filmar; no lugar dos diálogos em inglês de sua película inicial, falas em espanhol.
Filme de estrada, Diários de motocicleta observa a possível unidade do continente americano a bordo duma velha motocicleta. O roteiro do filme é extraído de um dos muitos diários deixados por Ernesto Guevara de la Serna, guerrilheiro argentino cujo sonho de unificação das Américas se inspirava no de Simon Bolívar no século XIX. O realizador suíço Richard Dindo rodou em 1994 o documentário Che Guevara, o diário boliviano partindo igualmente de escritos da personagem. Salles foge à aridez da proposta de Dindo e busca a emoção mais fácil do público. Diários de motocicleta não chega a realizar-se plenamente como filme, mas supera bastante aquela beleza mecânica de Abril despedaçado (2001), a fita anterior de Salles Jr. A possível superficialização da narrativa topa aqui e ali elementos mais densos para expor um dos espíritos humanos mais inquietantes do século XX.
Muito ajudam na capacidade da realização de emocionar o espectador uma fotografia nuançada, uma faixa sonora articulada e, acima de tudo, a dupla de atores centrais. Gael Garcia Bernal e Rodrigo de la Serna (este, sobrinho em segundo grau de Ernesto Guevara de la Serna) emprestam garra e sutileza a duas criações cinematográficas complexas de verter em celulóide.