Poderia ser um filme catástrofe como um outro qualquer. Mas tem uma diferença. Num determinado momento, o presidente americano é obrigado a perdoar a divida externa dos mexicanos para que eles admitam o êxodo dos americanos do norte que estão fugindo da nevasca, da nova Era Glacial que se abateu sobre o mundo. E os papéis se invertem, com os americanos tentando fugir para o México. E mais tarde, o presidente (ex-vice) que por sinal é o vilão de tudo, pede perdão para esse Terceiro Mundo, porque sem a ajuda deles não haveria mais Estados Unidos.
Uma amiga minha, que mora em Miami, diz que essas cenas foram aplaudidas entusiasticamente nas salas locais (imaginem então no México). Mas elas refletem bem a mudança de ponto de vista entre o filme anterior do diretor Roland Emmerich (vamos dispensar o do meio, Godzilla, como um deslize descartável e O Patriota como um erro grave) que foi Independence Day. Vocês lembram como os americanos eram senhores do mundo, arrogantes e invencíveis. Felizmente Emmerich, como alemão, sentiu a diferença de clima (ao menos no exterior) e deu uma lição de humildade, vinda justamente do vilão que não por acaso lembra muito o atual e verdadeiro vice Cheyney.
Apesar de ter sido produzido pela Fox, que tem o mais radical telejornal americano, este filme tem uma mensagem ecológica liberal. Não faz tanta diferença se, em certos detalhes, as coisas não aconteceriam exatamente como o filme descreve. Já é que ficção científica, que estamos apenas no domínio do possível, é ridículo ficar discutindo isso. O importante é que o filme ataca frontalmente os EUA por estarem provocando o aquecimento do planeta, recusando indícios e não assinando tratados. E que são eles que pagam o pato (de forma obviamente alegórica).
Como todo disaster movie, este não brilha especialmente pela qualidade do roteiro, que está repleto de lugares comuns (o intelectual judeu tentando salvar a primeira Bíblia de Guntemberg), de situações improváveis (o rapaz mergulha na água gélida e quase morre de frio, a moça fica até a cintura e não sente nada), até absurdas (a proposta do pai vir salvar o filho em Nova York, não seria mais lógico passar as instruções para ele fugir dali?...). E outras forçadas (a mãe que se sacrifica para ficar no hospital sozinha com a criança condenada pelo câncer!).
Basta dizer que já vimos piores. Mas ainda custa ter que agüentar uma história de outro pai que despreza e abandona o filho (como se americano fosse pai latino, quando ficam adultos eles botam para fora de casa mesmo e só voltam em dia de ação de graças, nem Natal vale). Então é uma baboseira esta história do Dennis Quaid vir atrás do filho Jake Gyllenghal que se refugiou na Biblioteca Pública de Nova York junto com a namoradinha (Emmy Rossum, importante notar que é ela quem estrela o novo Phantom of the Opera). Ou seja, nenhum dos personagens é especialmente interessante (nem o excelente Ian Holm que faz o cientista que, como sempre, se sacrifica pela ciência, nem os coadjuvantes que a gente sempre sabe que vão morrer).
Em compensação os efeitos especiais estão de bom a melhor. Há uma espetacular seqüência de twister que destrói Los Angeles (começando pelo sinal de Hollywood), o que demonstra como os efeitos evoluíram nos últimos anos. São realmente impecáveis e memoráveis: um navio que passa pelas ruas de Nova York, a cidade toda ocupada pela neve (ela não é destruída, só congelada!), a visão dos astronautas em órbita. E a Estátua da Liberdade (que pela lógica teria sido destruída, sua sobrevivência é simbólica). Como o público tem um enorme fascínio por apocalipses e desastres, o filme até que é dos melhores do gênero. Pelo menos me deixou mais tranqüilo, já que no final das contas segundo ele, o Brasil passará incólume. Nada como viver neste paraíso tropical!