As damas do bosque de Boulogne (1945) pode ainda não ser tão radical e intimamente devastador quanto os filmes que o francês Robert Bresson rodaria nos anos seguintes de sua carreira. Mas trata-se de mais uma brilhante aventura intelectual humana de um dos maiores cineastas do mundo; pessoal, rigoroso, penetrantemente espiritual, exercendo seus atributos estéticos com uma apaixonante beleza plástica e agudez de observações. Os diálogos escritos pelo poeta Jean Cocteau conferem ao filme uma certa elegância patética, mas Bresson os subverte com seu inusitado mecanismo cinematográfico. A interpretação dos atores do realizador é extremamente contida em seus movimentos, observe-se a sutileza de gestos, falas e expressões de Maria Casares na pele de Helena, a mulher que planeja vingar-se do amante que a desprezou.
Além da presença de Cocteau no texto, a origem literária do filme de Bresson está em sua raiz, um conto de Denis Diderot. Em cena, mais uma daquelas mulheres perversas que povoam o mundo do diretor francês, que se debruça implacavelmente sobre a fraqueza dos homens. Se Marie, de A grande testemunha (1966), era fonte de pecado meio santificador, a “mulher suave” (filme de 1969) escarnecia surdamente da ignorância sentimental e intelectual de seu marido e Mouchette (realização de 1967) pouco se importava com o sofrimento dos que a rodeavam, Helena, a protagonista de As damas do bosque de Boulogne, abandonada pela criatura a quem ama, lhe prepara uma fria desforra: faz o homem casar com uma prostituta. A diferença é que Bresson ainda não era tão pessimista e acena com a purificação pelo sofrimento para a prostituta e seu assustado marido; a última imagem não é a da derrota, não é a crueldade de Helena, mas a da esperança, um desbotado diálogo cocteauniano entre a meretriz (sofredora num leito) e Jacques, o noivo “ultrajado”.