Em Crônica de um amor louco o italiano Marco Ferreri exercita ainda e sempre seu estilo agressivo de filmar em que se misturam ímpetos de improvisação com laivos poéticos extremamente estilizados em sua elaboração.
Ferreri volta a acidez de suas câmaras para o universo americano, como tem ocorrido com tantos realizadores europeus que, na busca de compreender o mundo contemporâneo, volveram seus olhos para a civilização característica de nossa época. Se o alemão Werner Herzog era seco e distanciado em Stroszeck (1977), o italiano Michelangelo Antonioni era intelectual e estético em Zabriskie Point (1969) e o francês Louis Malle adotou um olhar controlado em Atlantic City (1980), Ferreri propõe uma América extremamente grotesca e parabólica em Crônica de um amor louco, talvez sua realização mais brilhante.
O caso de amor entre o poeta vivido por Ben Gazzara e a carnuda prostituta de Ornella Mutti é o buraco da consciência do filme: a busca da ternura meio hostil, o que acaba levando os protagonistas a um auto-flagelo, à loucura e à morte. O erotismo que surge das imagens de Ferreri é um erotismo difícil, truncado, marginal, cruel, próximo daquele do brasileiro Carlos Reichenbach em seus tempos da Boca do Lixo. O filme foi visto há mais de vinte anos por este analista e uma das cenas que mais ficaram é aquela em que a personagem de Ben transa com a garota (Mutti), se não me engano diante duma janela, o sexo é feito por trás, um plano erótico dos corpos em êxtase é contraposto a um primeiro plano da face patética de Ben.
No plano final, há uma espécie de encenação renascentista, em que Bem Gazzara acaricia os seios duma garota e declama sua poesia. Aí Ferreri recaptura a união do amor com o sexo. Inesperadamente.